Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Por uma verdadeira Reforma do Estado – Reflexões iniciais



Neste que é o ano de trabalho sobre o tema em epígrafe, dou aqui início a um conjunto de reflexões sobre a complexa e muito exigente tarefa de desenhar e implementar uma verdadeira reforma do Estado português, objetivo que é desejado, perseguido (terá sido?) e discutido há décadas no país sem nunca se ter chegado a qualquer meta nem se ter alcançado qualquer sucesso na sua prossecução.

Áreas de um Estado soberano

Sou defensor da ideia de um Estado regulador, mais do que ator, da sociedade e da economia, com funções de supervisão eficiente e eficaz de todos os sectores da vida que afetam e determinam a justiça, o bem-estar e a segurança dos cidadãos, agentes económicos e demais atores na vida nacional.

Porém, tal como outros analistas políticos, económicos e sociais, considero que há funções que não podem, nem devem, sair da esfera do Estado. Pela sua relevância, especificidade e impacte na vida de um país, em primeiro lugar e por imperativos de soberania em segundo lugar, há áreas sobre as quais o Estado não pode prescindir de se assumir como o principal responsável e timoneiro nas decisões a tomar e nas orientações a dar às instituições que tutela. Estão aqui as áreas da justiça (social e económica), da solidariedade e segurança social, da defesa nacional, da administração interna e da diplomacia político-económica – os designados negócios externos.

Estas são áreas que devem ser do domínio do Estado e sobre as quais nenhum agente económico ou instituição fora da esfera do Estado tem condições e competências para as definir, regular, assumir e coordenar.

Liberalizar sectores sobre regulação e supervisão Estatal

Depois daquelas, compete ao Estado ser o garante de um sistema de educação e de saúde, sólidos, justos, adequados às necessidades e exigências dos cidadãos, tendo em vista o bem-estar, a justiça e o progresso da sociedade. Estas, sendo áreas da sua responsabilidade direta, são já hoje áreas em que o Estado delegou, em parte, e bem, nos agentes económicos privados, a sua prestação e a sua gestão. Compete agora ao Estado regular e supervisionar toda a atividade destes sectores, regulamentando e definindo as regras básicas de funcionamento, zelando pela equidade e legalidade das suas práticas, e proporcionando aos atores respetivos a liberdade de atuação e decisão dentro das regras estabelecidas.

Sectores sensíveis do Estado

Para além dos sectores acima identificados, há outras áreas igualmente sensíveis e de significativa importância para o país pois interferem diretamente com aspetos da soberania nacional. São estas as telecomunicações (sector muito sensível para a intelligence portuguesa e para a vida dos agentes económicos), a energia e as águas. Sendo certo que os sectores das telecomunicações e energia estão hoje entregues à esfera privada, já o sector das águas merece uma reflexão muito especial pela delicadeza que assume e pela importância estratégica e significância que tem quer para o país quer para a vida das pessoas. É talvez o sector mais sensível dos aqui referenciados e não está concluída a reflexão sobre se deve (ou pode) passar para a esfera privada.

De qualquer forma, com exceção do sector das águas, tema não concluído e que merecerá outras reflexões, o Estado tem o papel e a responsabilidade de criar um quadro regulatório adequado e uma supervisão efetiva e rigorosa das áreas energética e de telecomunicações, hoje entregues aos agentes privados. Cumpre-lhe definir as regras, os procedimentos, as obrigações e os direitos a respeitar pelos diversos atores privados para depois exigir e garantir o seu cumprimento.

Como reformar?

Finalmente uma última reflexão, neste primeiro e breve ensaio, sobre o modelo de reforma do Estado. Qualquer que venha a ser a reforma a implementar no Estado, deve ser em primeiro lugar definido o que se entende por reformar o Estado. Por outras palavras, o que reformar, como reformar e quando reformar. Dito isto, facilmente se chega à conclusão de que qualquer reforma a implementar não poderá nunca estar dependente de qualquer ciclo político-partidário. Por mais simplista que seja essa versão de reforma, nunca se conseguirá concluir qualquer reforma numa legislatura de 4 anos e talvez tal não caiba numa segunda legislatura.

Assim sendo, e seguindo a lógica da gestão das organizações do mundo empresarial, essa reforma terá que ser efetuada em primeiro lugar por etapas ou fases, depois por instituições ou grupos de instituições e finalmente, dentro destas, pelas suas diversas componentes/unidades. Simplificando e concretizando, atendendo às urgências e prioridades do país, seria desejável que os mentores de uma verdadeira reforma do Estado começassem por repensar o sistema de segurança social, saúde e educação, por exemplo, atribuindo a esta fase um período de 4 anos para a concretização das necessárias reformas dos respetivos Ministérios (equivalente a uma legislatura). Numa segunda fase, poder-se-ia dar prioridade à reforma na justiça seguida do ordenamento do território, para finalizar com a reforma dos sectores da agricultura e do mar, dedicando-lhe de um novo período de 4 anos para a sua conclusão.

Não é possível reformar tudo e ao mesmo tempo. Estes processos têm custos elevados, exigem muitos recursos e consomem muito tempo. Ao mesmo tempo o país tem que produzir, criar riqueza e bem-estar, não se pode fechar sobre si próprio. É por isso ilusório pensar que esta obra é realizável numa legislatura e em simultâneo. Esperamos que o bom senso esteja presente entre os decisores políticos e responsáveis primeiros desta reforma.

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