1.
A ACEGE (Associação Cristã de Empresários e Gestores) desenvolveu recentemente
uma iniciativa e tomada de posição designada Compromisso de Pagamento Pontual que é, a todos os títulos, de louvar. Inserida num estudo sobre o sistema de
pagamentos às empresas do país, a ACEGE apresenta alguns cálculos e números que
não importa aqui escalpelizar mas apenas interpretar. Esta iniciativa reuniu 130 subscritores dos
mais variados quadrantes económicos.
2.
A ACEGE refere-nos que existe no país o que designa por uma «cultura enraizada
de egoísmo empresarial» em que ninguém paga a ninguém a tempo e horas, situação
que se agrava num clima de crise económica e financeira como a actual. Tal
atitude dificulta a vida financeira e económica das empresas provocando
enormes constrangimentos e dificuldades de tesouraria, num tempo em que o
recurso ao crédito bancário de apoio à tesouraria sofre igualmente de grandes
restrições.
3.
O estudo recente da ACEGE dá-nos nota que o cumprimento do pagamento entre
agentes económicos (Estado incluído), a um máximo de 60 dias, provocaria a
criação de 120 mil novos postos de trabalho. Contrariamente, diz-nos através do
mesmo estudo que, o reiterado e desvirtuado sistema de pagamentos entre aqueles
agentes económicos em Portugal, representado por um comportamento transviado
das boas e aceitáveis práticas de comércio, é responsável pela perda de 72 mil
postos de trabalho, pelas falências e despedimentos a que tais práticas tem
levado.
4.
E à cabeça desta sindroma temos o Estado, ele mesmo responsável por pagamentos
em atraso estimados na casa dos 5 mil milhões de euros, segundo o estudo da
mesma ACEGE. Somados a estes, há ainda a registar cerca de 6 mil milhões de
euros incobráveis por parte das empresas aos seus clientes, pelo que facilmente se percebe que um dos principais problemas que recai sobre a
fragilidade financeira das empresas é exactamente esta prática deficiente e
penalizadora da sua saúde financeira. Diz ainda a ACEGE que, fora destes valores,
se encontram todos os outros não contabilizados neste número e que se encontram «parados» nos tribunais, fruto de acções judiciais não concluídas, o que leva a
que os valores em dívida fora da tesouraria das empresas atinjam um número
avassalador.
5.
Conclui por isso a ACEGE, o que é aqui totalmente subscrito pelo autor deste
texto, que pagar a horas alavancaria o emprego e a criação de riqueza fazendo
crescer a economia. Sabemos que isto é verdade. São conhecidos inúmeros casos
de boas empresas que tiveram que se apresentar à insolvência para protecção
face aos seus credores (bancos, Estado e fornecedores) tendo em vista poderem
reconstruir toda a sua actividade, após estabelecido um Plano Especial de
Recuperação (PER) aceite pela maioria daqueles como forma de poder «pôr a casa
em ordem» e rumar ao crescimento e à sustentabilidade económica. Desta forma
livraram-se de penhoras de bens patrimoniais, arrestos de contas e impugnações
pela via judicial sobre tomadas de decisão de gestão. Mas tal decisão não
resultou de outras causas que não fossem os enormes e sistemáticos atrasos nos
recebimentos dos seus próprios clientes, provocadores por sua vez de um
desacerto na sua própria capacidade em dar cumprimentos às suas
responsabilidades. Assistimos, por isso, a situações em que boas empresas, com
bons produtos, excelente tecnologia e know-how, com importantes carteiras de
encomendas e uma procura fortalecida, têm que pedir a insolvência pelo
facto de não conseguirem suportar:
i) prazos de recebimento muitas vezes acima dos 6 meses;
ii) valores incobráveis muito significativos em virtude, quer destas práticas quer da própria falência dos seus clientes;
iii) de uma enorme pressão dos seus credores pois tais atrasos nos recebimentos tornam-se causas para os seus próprios atrasos perante bancos e fornecedores.
6.
Portugal é um dos piores exemplos europeus. Segundo os dados da European
Payment Index, que analisa os dados relativos a empresas e Estado sobre os
níveis de risco e prazos de pagamento, Portugal aparece com uma das piores
classificações face à média europeia. Num índice de risco variável entre 100 (o
melhor) e 200 (o pior), a pontuação nacional atinge os 190 pontos contra 151 da
média europeia. Este estudo foi elaborado a partir de inquéritos realizados a
9.800 directores financeiros e CEO de 29 países, entre finais de 2012 e
início de 2013.i) prazos de recebimento muitas vezes acima dos 6 meses;
ii) valores incobráveis muito significativos em virtude, quer destas práticas quer da própria falência dos seus clientes;
iii) de uma enorme pressão dos seus credores pois tais atrasos nos recebimentos tornam-se causas para os seus próprios atrasos perante bancos e fornecedores.
7.
Tal facto, somado à deficiente capitalização de uma larga maioria das PME nacionais, a um endividamento ainda excessivo em muitas delas, à ausência de outras
formas de capitalização que não sejam o reforço da participação dos seus
proprietários/acionistas, por um lado, porque não existe em Portugal a cultura
do financiamento por via do mercado de capitais, por outro, porque não existe,
no caso específico daquelas, um mercado de capitais para PME, leva a que
faltem nas empresas os necessários níveis de liquidez que lhes permitam
investir, financiar os seus ciclos de exploração e crescimento, num momento em
que o novo financiamento bancário é ainda quase uma miragem.
8.
É pois determinante que seja posta em prática uma campanha nacional que alerte
para a necessidade de cumprir com o lema do «pagamento pontual». O efeito «bola de neve» é hoje muito significativo e destrutivo na economia e em especial junto
dos agentes microeconómicos. E o exemplo terá que vir de cima, do Estado,
talvez um, se não o principal, causador de muitas insolvências e falências.
Estado que dá ele próprio tiros nos pés pois uma empresa falida ou insolvente
não terá as devidas condições de rendibilidade para dar lucro e pagar impostos.