Tema polémico que tem defensores e opositores da sua justificação nos tempos actuais. Neste sentido, resolveu o FRES organizar um encontro/debate no qual, para além de elementos do FRES, foram convidadas outras pessoas interessadas no tema, destacando-se desde logo a participação de Rui Tavares, autor do livro “Esquerda e Direita – Guia Histórico para o Século XXI”, cujo contributo para o esclarecimento deste tema foi significativo. De facto, o nosso convidado, jovem Historiador, que se define como alguém que pertence ideologicamente à família de esquerda, teve um comportamento a todos os níveis irrepreensível, quer defendendo as suas opiniões quer aceitando e debatendo as opiniões contrárias às suas, denotando deste modo um espírito aberto e dialogante.
Quanto ao tema em si, o qual tive o prazer de debater durante o colóquio, devo referir que entendo a posição dos defensores da existência do conceito porque, de certo modo, a sua adopção ajuda a “arrumar” e “ancorar” as pessoas num grupo de família ideológica, as quais, como sabemos, têm entre outras necessidades, as de afiliação, quer seja relativamente a um grupo de referência quer seja a um grupo de pertença, o que faz parte da nossa forma de estar em Sociedade. Assim, e como bem explicitou o nosso convidado Rui Tavares referindo a origem do conceito, este surgiu à época da Revolução Francesa aquando da tomada de posição a favor do Rei, uma vez que os seus apoiantes se sentaram à sua direita enquanto os simpatizantes da revolução se sentaram à sua esquerda. Deste modo foi criado o conceito que enquadra os defensores do poder do Rei, considerados conservadores, como sendo da direita, por oposição aos defensores da revolução, associados ao povo, como sendo da esquerda. Trata-se pois de um conceito convencionado, que poderia muito bem ter surgido ao contrário, tendo sido posteriormente associado a posições políticas, servindo para consubstanciar uma certa posição de classe social.
Creio que hoje em dia os pressupostos que estiveram na base da fundação deste conceito já não serão os mesmos pois, como refere o autor do livro acima descrito, a certa altura os partidos surgiram como “uma parte da Sociedade que lutava pelo poder”, o que, a meu ver, permite concluir que a defesa dos menos favorecidos pode muito bem ter-se tornado num pretexto para alcançar o poder através dos votos destas pessoas. Efectivamente, se lermos com atenção os programas dos vários partidos políticos actuais quando se apresentam ao eleitorado, estes propõem sempre medidas conducentes à melhoria de condições de vida dos cidadãos, com o intuito de conquistarem a sua preferência. Daí que, dado os recentes estudos e estatísticas que nos comprovam que o cumprimento das promessas eleitorais não ultrapassam, no melhor dos casos, 60% do que prometeram, creio ser legítimo pensar que aquelas servirão sobretudo para angariar votos. Assim, não será por acaso que a abstenção e a falta de participação dos eleitores se tem vindo a agravar a cada acto eleitoral, não sendo de estranhar um certo cansaço, desilusão e falta de esperança nas elites políticas que, por sua vez, induzem cada vez mais a ideia de que estarão mais interessadas em manter o poder para assegurar o seu modo de vida, do que verdadeiramente pugnar pelos interesses dos cidadãos.
E é sobretudo por estes motivos que acredito que o conceito de esquerda e direita não terá hoje justificação pois não me parece existir uma verdadeira e genuína preocupação com as pessoas. Por sua vez, o mandato de deputado ao invés de consubstanciar o espírito de missão que seria de esperar, mais parece uma forma de trampolim sócio profissional, que posteriormente e a todo o instante vamos confirmando pela dança de lugares de quem entra e sai dos governos e é colocado em situações privilegiadas nas empresas, reforçando a ideia de promiscuidade entre o poder político e o poder económico. Este tipo de comportamentos e de atitudes ajudam a interiorizar a expressão popular de que “os políticos são todos iguais”. É de admitir que haja aqui um certo sentimento de injustiça na medida em que nem todos serão assim pois há naturalmente excepções que correm o risco de apenas virem a confirmar a regra.
Neste contexto, penso que a expressão “Esquerda e Direita” não será, hoje em dia, mais do que uma IDEIA FEITA que se afirmou ao longo dos anos e que dá muito jeito aos políticos para “enquadrar” os seus eleitores, os quais parece já não se reverem tanto como outrora nesse modelo tão explícito de diferenciação política, dando mais importância às pessoas que se candidatam do que ao facto de serem deste ou daquele partido. Se não fosse assim, presumo que o actual Presidente da República não teria vencido as eleições, pelo menos de modo tão expressivo, tendo em consideração a sua filiação partidária.
Não podemos ignorar que a evolução de cada um de nós, no seu processo de socialização e integração na sociedade, ocorre através da apreensão de normas, valores, crenças e tradições, entre outras, sofrendo a influência do contexto social onde se está inserido, seja desde o local onde se vive, à pertença a famílias diferentes, à convivência com vizinhos diferentes e à interacção com diferentes amigos, o que vai gerar, em termos individuais, uma maneira diferente de ver o mundo que nos rodeia, dado que a grelha de análise que se constrói durante esse processo de formação pessoal não é a mesma para cada um de nós. Claro que existem alguns pontos comuns entre os elementos duma sociedade, pois só assim será possível a convivência social e a coexistência pacífica entre os pares. Todavia, e em processos que impliquem juízos de valor, verificam-se divergências que podem pôr em causa aquele equilíbrio, daqui resultando que, para atenuar tais conflitos, é vulgar admitir-se, parafraseando a máxima popular que “nem tanto ao mar nem tanto à terra”, os problemas não se resolvem extremando posições e que no meio, ou no centro, estará a virtude. É pois natural que neste pressuposto os partidos políticos que lutam pela conquista do poder e necessitam de arregimentar adeptos, tendam a posicionar-se no referido CENTRO DA VIRTUDE e passem a considerar-se de Centro Esquerda ou Centro Direita, consoante a sua proveniência, já que os seus programas muitas vezes se confundem e se assemelham naquilo que propõem e prometem, constatando-se uma certa dificuldade em os diferenciar. Nesse sentido, é comum ouvirem-se justificações do tipo “... não foi nesse sentido que propusemos essa medida...” ou “... há um erro de interpretação ...”, de tal modo que ultimamente vai-se ouvindo com frequência a utilização de expressões como “erro de percepção mútuo”, atribuindo eventuais conflitos ao emissor e ao receptor decorrentes do processo de comunicação, uma novidade que certamente irá fazer escola, porque é uma coisa e o seu contrário ao mesmo tempo.
Concluindo relativamente à questão da Esquerda e Direita, devo dizer que não subscrevo a sua utilidade nos tempos actuais, dado que não é, a meu ver, a mais adequada e eficaz forma da sociedade política estar organizada.
Penso que a elaboração de programas e respectivas propostas ou medidas de intervenção social, apresentadas pelos partidos aos eleitores ou por grupos de cidadãos com credibilidade sufragada pela sua experiência de vida e de trabalho, para que possam ser analisadas e debatidas, tendo por objectivo que os cidadãos possam vir a optar por aquelas com as quais se identificam sem terem de estar coladas ao partido A ou B, de esquerda ou de direita, seria um modelo mais ajustado à realidade de hoje.
De facto, dada a semelhança de propostas e medidas sugeridas pelos diversos partidos, estas não passam a ser diferentes pelo facto de serem apresentadas pela “dita” esquerda ou direita, o que considero demasiado redutor e limitado em termos de pensamento político, dificultando a escolha dos cidadãos. Creio que este tipo de enquadramento leva à existência de “camadas” da população que não sabendo como decidir em consciência, engrossam cada vez mais o grupo dos indecisos, contribuindo significativamente para o absentismo e para o voto em branco. No entanto, os políticos preferem designá-los como desinteressados, que remetem para os outros as suas decisões e depois contestam os governos. Pois, mas os políticos pouco fazem para inverter esta situação uma vez que a sua eleição não é colocada em causa com a atual Lei Eleitoral.
Não pretendo com isto dizer que os partidos actuais deveriam ser extintos mas antes reformularem os seus modelos e deixarem de viver à custa do passado e de ideias feitas de esquerda e de direita, da separação entre os trabalhadores e os patrões, como se isso justificasse a sua existência e utilidade pública. Creio que é pouco, muito pouco hoje em dia. Por outro lado, não nos podemos esquecer que vivemos em sociedades dinâmicas e aquele que hoje é empregado, amanhã poderá ser patrão.
Penso que os partidos políticos deveriam centrar mais a sua acção na procura de soluções para os problemas concretos com que se debate a sociedade, apresentando programas realistas e exequíveis, com o compromisso de os cumprirem, sob pena de poderem ser avaliados pelos eleitores, isto se fosse possível adoptar o modelo de “monitorização da actividade legislativa pelos cidadãos” proposto pelo FRES no seu livro “Desistir é Falhar” na página 109 - alínea j) e que serviria como elemento adicional na escolha dos partidos. Esta ideia poderia contribuir para reduzir o desinteresse dos cidadãos e recuperá-los para a causa pública. Mas para isso seria necessário alterar a lei eleitoral, como o FRES também propõe no seu já referido livro na página 105 – alínea c), legislando sobre a obrigatoriedade do voto, sugerindo que os votos brancos possam dar lugar a “cadeiras vazias” no Parlamento ou ao preenchimento de alguns lugares por representantes da sociedade civil que não configurem a forma de partido político, obrigando assim os candidatos dos partidos políticos a serem mais rigorosos e sérios nas suas propostas. Mas parece que a manutenção do “status quo” que há quem atribua sobretudo à “dita” direita, também é comungado pela dita “esquerda” que nem quer falar de alterar a lei eleitoral pois prefere que fique tudo como está. Estranha forma de abertura à mudança.
Finalmente, diria que, o que me parece deveras importante, seria a constituição de “GRUPOS SOCIAIS” que poderiam ou não configurar a forma de partidos políticos e se candidatassem a governar, apresentando aos cidadãos as suas ideias e propostas de acção sem a “muleta” ou “rótulo” de Esquerda ou de Direita, como se isso, por si só, fosse condição suficiente e ajudasse o eleitor a escolher o que para si seria melhor.
José Ferreira Alves
Março de 2017
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