O FRES – Fórum de Reflexão Económica e Social, realizou no dia 02 de Julho de 2016, no ISEG – Lisbon School of Economics & Management da Universidade de Lisboa, um colóquio intitulado “Esquerda e Direita no Século XXI”. Este colóquio teve como convidado principal o político e historiador Rui Tavares, cofundador do Partido LIVRE, Tempo de Avançar. A ideia deste colóquio surgiu após diversos debates do FRES sobre a questão da justificação em adotar, no tempo atual, os termos “Esquerda e Direita” o que nos levou à leitura do livro de Rui Tavares, publicado em Maio de 2015, intitulado “Esquerda e Direita - Guia Histórico para o Século XXI”.
Sumariamente, tratou-se de um debate democrático, esclarecedor, em ambiente de tertúlia, com um convidado de exceção, e uma discussão conciliadora para todos os que se posicionam quer à esquerda quer à direita, ou mesmo para aqueles que não se reveem nesta conceção da política.
Começo por afirmar que, quanto à conceção política de “Esquerda e Direita” a divisão mantém-se entre nós: uns concordam com o conceito, outros não. Na minha visão, ao termos estado (e estarmos) a discutir a justificação do conceito de “Esquerda e Direita”, tal é a prova que há entre nós um posicionamento ideológico distinto e que, como tal, existe um pensamento ideológico diferente que importa salientar. Podemos concordar ou discordar sobre a existência de tais diferenças ideológicas no nosso país, quando nos comparamos com a realidade política dos restantes países da Europa. Podemos concordar ou discordar sobre essa diferença de conceitos em Portugal e se esta diferença é mais ou menos acentuada que no resto da Europa tendo em conta o modelo e a organização partidária da nossa democracia, o pensamento dos nossos políticos e os interesses instalados. Neste campo, de acordo, nada a acrescentar. Porém, estamos perante a discussão de um tema que tem séculos pelo que, ainda que não tenham sido os portugueses os fundadores desta visão da política, a mesma é assumida por uma larga maioria de nós, deste logo os próprios partidos, a Assembleia da República, os líderes políticos, membros influentes da sociedade civil, historiadores, jornalistas, líderes de organizações suprapartidárias, investigadores em ciência política, líderes de opinião ou meros cidadãos.
Importa salientar que esta diferente visão de pensamento ideológico e caraterização do mundo político é assumida e adotada em toda a Europa e em todos os países democráticos, o que me leva à conclusão de que não valerá a pena estar a negar a sua existência. Contudo, podemos retirar da leitura de Rui Tavares que, apesar de se afirmar de esquerda, nem ele próprio estabelece um muro ou uma barreira que separa estas duas formas de conceção política, evidenciando a ideia (que partilho em absoluto) que os indivíduos que se dizem hoje de direita têm, e defendem, ideias que teórica e classicamente eram no passado ideias da esquerda, e vice-versa. Esta sua visão não se refere apenas a Portugal mas a toda uma conceção da esquerda e da direita porque as pessoas, as sociedades, as políticas e o mundo estão em permanente evolução – cito, subscrevo e reforço.
É também um facto que muitos de entre nós não aceitam esta conceção e visão que supostamente separa os diferentes pensamentos políticos e que, como tal, defendem que tal separação não existe. Defendem que, mais do que posicionar-se entre “muros” estabelecidos pelas conceções partidárias de esquerda e direita e pensamentos ideologicamente pré-concebidos, o que importa é a liberdade individual de cada um pensar por si próprio seguindo as suas ideias. Não podia estar mais de acordo. O que penso é que nada obsta a que possamos manter a nossa liberdade de pensamento e ação ainda que nos queiramos posicionar (ou nos sintamos como pertencendo) a uma certa esquerda ou direita. O que me leva à conclusão, que é só minha, que negar a existência de diferentes posicionamentos ideológicos é negar o inegável.
Desta forma, fazendo o reset, como defendem alguns de entre nós, teríamos que negar os diferentes posicionamentos políticos individuais e os diferentes pensamentos ideológicos e não aceitar as diferenças entre todos. Seria o mesmo que não aceitar os diferentes gostos sobre a pintura barroca e a modernista, a impressionista ou a abstrata. Ou, na sua inversa, aceitar a ideia daqueles que defendem que desporto é a patinagem artística, a corrida ou o golfe e não o boxe ou o judo. Ou que música é a clássica ou o jazz e não a pop ou o heavy metal.
Pode ser que o problema esteja na formulação da ideia de Esquerda enquanto oposto da Direita e que tal faça com que alguns de nós se sintam agrilhoados a uma conceção filosófica que não é a sua, provocando-lhes desconforto. Neste caso, talvez lhe possamos atribuir outra nomenclatura. No Reino Unido temos os trabalhistas e os conservadores, nos Estados Unidos da América temos os republicanos e os democratas, em Espanha temos os socialistas e os populares, de onde podemos retirar que, em todas estas correntes ideológicas - ou linhas partidárias - há posicionamentos associados a pensamentos mais de esquerda ou mais de direita. No caso português, não temos no quadro parlamentar partidos de pendor fortemente à direita nem de uma verdadeira extrema esquerda pois, apesar de alguns discursos mais extremistas, todos os partidos são de matriz democrática (podendo na sua génese ser mais ou menos democráticos). Tal não significa porém que não existam no espectro político nacional diferentes correntes ideológicas e de pensamento político, facto que me parece igualmente inegável.
Apesar do que foi aqui escrito, sou da opinião que é imprescindível efetuar um debate nacional e uma profunda reflexão no nosso país sobre o que é o socialismo, a social-democracia, o liberalismo, o conservadorismo, o comunismo ou o progressismo. Para percebermos o que os aproxima e/ou o que os diferencia. Esta discussão teria uma utilidade não só política mas igualmente cívica, já que poderia contribuir para um melhor esclarecimento dos cidadãos eleitores. Talvez esta discussão nos leve a perceber as verdadeiras diferenças entre si. Talvez até se chegasse à conclusão que existe espaço para a substituição de tais conceitos por outros como conservadorismo versus progressismo ou liberalismo versus centralismo. É claro que daqui poderia resultar uma outra discussão sobre quem é mais conservador ou progressista, mais liberal ou centrista, se a esquerda ou a direita. Em todo o caso, não sendo possível isolar a esquerda da direita, também não me parece possível negá-las.
Neste contexto, voltaria às referências a Rui Tavares e ao seu livro já citado, para deixar aos leitores a reflexão sobre a matriz que o autor nos apresenta na página 21. Podemos encontrar, na sua visão, que em Portugal (e no mundo) existe uma esquerda libertária à qual se contrapõe uma esquerda autoritária, tal como podemos encontrar uma direita libertária à qual se contrapõe uma direita autoritária. Teremos a certeza que nos quadrantes dos libertários ou dos autoritários encontraremos algumas, se não muitas, similitudes - aí está, as sociedades evoluem. Não me parece por isso blasfémia considerar que hoje, como defende aliás Rui Tavares, a esquerda moderna e a direita moderna intersectam-se em muitos pontos. Acrescento eu: talvez no centro-esquerda ou no centro-direita. Ou talvez no centro, conceção ainda pouco explorada. O que me parece inquestionável é a legitimidade de todos: daqueles cujo pensamento defende a existência de uma esquerda e de uma direita e a legitimidade dos que se apresentam a negá-la. Tudo isto, não sendo fado, é democracia.
Voltando à minha posição sobre o tema, reforço-a nos discursos e nas teses dos partidos políticos nacionais e europeus, nas posições pessoais dos políticos nacionais e internacionais, nas instituições de Bruxelas como a Comissão Europeia ou até nos analistas do Saxo Bank, para extrair apenas alguns exemplos. Todos caracterizam o espectro político europeu (e os seus equivalentes nacionais) à esquerda e à direita e vão ainda mais longe reconhecendo a existência de um centro esquerda e de um centro direita para complicar ainda mais a equação. E o tema não é importante porque, na conceção de muitos, o PSD não é de direita mas sim de centro esquerda, o PS não é de esquerda mas de centro esquerda, o PCP não é de extrema-esquerda mas apenas de esquerda ou porque o CDS não é de extrema-direita. O tema é importante pela necessidade do debate das ideias.
Há nesta discussão um ponto tão importante quanto perigoso, porque é suscetível de interpretações que podem ser erradas, e que é o ponto que liga, por consequência, o pensamento ideológico a um “certo estilo de vida”. É preciso ter cuidado porque estas, sim, são ideias retrógradas. A história política do passado tinha o costume de ligar a direita à burguesia e a esquerda ao proletariado, ao povo. Esta ideia feita fará com que eu, se me enquadrar ideologicamente à direita, tenho que ser classificado como burguês ou, inversamente, se me posicionar ideologicamente à esquerda tenho necessariamente que fazer parte do “povo”. Nada mais perigoso e errado. Não existem diferentes direitos ao bem-estar económico e social; este bem-estar depende de muitos fatores que não podem ser ideológicos mas onde vingam, isso sim, fatores de berço, oportunidades de educação, estrutura familiar, nível económico, capacidades e competências individuais, fatores alguns deles justos, outros injustos.
Finalizando, importa retirar uma ideia que é para o FRES, central: a preocupação cívica de mantermos um compromisso de reflexão sobre o que se passa à nossa volta, quer sob o ponto de vista político, económico ou social. A defesa dos valores da justiça e da liberdade individual, da igualdade de oportunidades e do direito ao contraditório, a oposição ao mainstream e à influência política em favor do benefício particular. É com esta visão que nos mantemos atentos e em alerta em relação à atual Lei Eleitoral.
Mário de Jesus
Março 2017
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