Na minha visão não! Atrevo-me a recordar alguns dos exemplos
(que são factos) que comprovam (se não mesmo refutam) tal visão negativista da
história e do país
É um facto que Portugal mantém praticamente as mesmas
fronteiras desde a sua fundação (facto quase único na história da humanidade se
considerarmos a sua longevidade enquanto país soberano). Tal como em todos os
países do mundo desenvolvido, o progresso, a maturidade política, o “bom gosto”,
a sensibilidade com a estética ou o interesse pela cultura, são aspetos da vida
humana criados e desenvolvidas dentro das elites. Foi assim em França, na
Itália, na Grécia ou na Inglaterra para citar poucos exemplos, nunca se pondo
em causa que a arte, a ciência, a filosofia, a literatura ou a música são os
ingredientes para fazer avançar as civilizações. Por isso não nos podemos
castigar pensando que Portugal, do pouco que conseguiu, às elites o deveu.
Talvez hoje seja o contrário porque a sociedade civil em muitos casos pouco ou
nada se identifica com as elites, ou pelo menos algumas dessas elites! Mas
notemos: integro nessas elites uma grande parte da sociedade civil, que tem de
exigir sempre mais e melhor da sociedade e dos seus líderes. A França, a
Inglaterra ou até a Espanha, são hoje prova disso. Aqui sim, neste campo
Portugal falhou.
Este é um país que fundou uma das primeiras universidades do
mundo e que exemplificou, pela prática, os princípios de um pensamento
ecologista no reinado de D. Dinis. Não falarei da expansão e conquista
marítimas, isso daria para um outro livro, mas não há estudo histórico, livro
de história universal ou programa de história, seja de que nacionalidade for,
que não coloque Portugal e os portugueses na primeira linha de importância e
que não destaque o seu papel para o desenho quer geográfico, quer histórico ou
cultural da civilização humana.
No campo das figuras históricas podemos voltar à Idade Média
e relembrar Pedro Hispano, médico e teólogo português, que foi o Papa português
João XXI.
Figura Eminentíssima, foi fundamentalmente importante no
campo das Letras e da Teologia na Idade Média, tendo projetado a cultura
portuguesa para um lugar de topo na Europa de então.
Os autores Martin Page, em “A Primeira Aldeia Global”, e
Barry Hatton, em “Os Portugueses”, consideram Portugal como o primeiro país
global e como o pioneiro da globalização. A abolição da pena de morte há 150
anos e a luta das mulheres, no início do século XX, para a igualdade do género,
colocam este pequeno retângulo, à beira mar plantado, como um dos primeiros
países que mais depressa percebeu os valores da igualdade, da solidariedade e
da humanidade, em suma, os valores civilizacionais. Comprovam-no o nosso
posicionamento na 1ª linha da disponibilidade para ajudar a enfrentar a crise
dos refugiados.
Para os mais críticos europeístas e das políticas de
financiamento europeu, não vejo Portugal de “mão estendida” a Bruxelas de forma
diferente dos outros países membros. Também a Espanha, França ou Itália, para
citar apenas poucos casos, reestruturaram as suas economias, modernizaram o
país e fizeram expandir o bem-estar social, através de enormes quantias de
dinheiro vindas da Europa. Posto isto, nada fizemos diferente dos restantes. Se
houve desperdícios? Claro que os houve? Quem os não teve? Mas os nossos, a nós
portugueses, se devem as culpas.
Discordo da ideia de que nos últimos 300 anos Portugal
apenas tenha tido uma participação esporádica e pouco relevante na redação da
história europeia (ou do mundo). Podemos pois relembrar alguns (grandes) feitos
que vão da política à cultura, do progresso social ao desporto.
Em 1 de janeiro Portugal torna-se o 11º país a aderir à CEE,
no mesmo ano que a Espanha. A Europa de então (e ainda de hoje) continuava a
ser o Continente onde todos os que lá não viviam ambicionavam viver. Existem no
mundo 193 países; a Europa é composta por 49 países; na União Europeia estão
hoje 28 desses países, existindo 5 que são atualmente candidatos à UE e 2 que
são potenciais candidatos. Portugal está lá desde há 21 anos.
Tudo isto acontece praticamente 10 anos após a instauração
de um regime democrático que liberta o país de uma ditadura de quase 50 anos. É
obra de grande registo civilizacional, em especial quando a instauração desse
regime democrático é feita sem sangue, suor e lágrimas.
Em 1998 Portugal organiza a Exposição Mundial - Expo 98 - um
dos maiores eventos culturais do mundo, através do qual o país se projeta para
o futuro e se integra entre os países com uma visão integracionista dos povos e
das culturas. Mais uma vez, o seu caráter agregador de povos, culturas e
diferenças vem ao de cima. Nesta senda, é atribuído a José Saramago no ano
seguinte o Prémio Nobel da Literatura. Já em 1949 Egas Moniz havia trazido para
Portugal o Prémio Nobel da Medicina. Amália Rodrigues havia feito chegar a sua
voz e o fado aos quatro cantos do Mundo. Siza Vieira e Eduardo Souto Moura
foram os laureados em 1992 e 2011, respetivamente, com o Prémio Pritzker, o
equivalente ao “Nobel da Arquitetura” - e ainda só estamos no campo da cultura.
O dia 1 de janeiro do ano de 2002 coloca o país dentro do
grupo que passa a adotar o Euro como moeda, na sequência da assinatura do
Tratado de Maastricht em 1992 que levou à criação da União Europeia e de uma
moeda única (sei que é um ponto discutível, sensível ou de discórdia se, sim ou
não, o deveríamos ter feito). Porém, temos a certeza que em 1992, atendendo aos
conhecimentos da época, muito poucos o teriam posto em causa.
Em 2004 o país organizou o Europeu de Futebol, prova onde
chegaria à final tornando-se vice-campeão europeu. Este feito é superado em
2016 com a vitória do campeonato europeu de futebol. Ainda no desporto, Eusébio
foi o nome mais conhecido de Portugal (provavelmente juntamente com Amália)
pelo mundo fora. Carlos Lopes o vencedor da Maratona dos Jogos Olímpicos em
1984. Rosa Mota foi campeã olímpica da Maratona em 1988, uma vez campeã do
mundo e três vezes campeã europeia desta modalidade. Benfica e FC Porto foram
duas vezes campeões europeus de futebol. Luís Figo foi o melhor jogador do
mundo pela FIFA em 2001 e Cristiano Ronaldo já lá chegou por quatro vezes,
segundo os atuais critérios da FIFA em 2008, 2013, 2014 e 2016.
Tem havido porém, entre nós, uma antiga e larga discussão em
torno das elites. Alguns de nós chegaram mesmo a uma área de interceção quanto
ao entendimento de que parte dos problemas de natureza política, social,
cultural e económica do país residiam nas elites. Foi aliás ponto comum de
entendimento que o fenómeno do Estado Novo terá sido a causa e ao mesmo tempo a
consequência do modo de ser português e da natureza da nossa portugalidade. Sou
dos que consideram que em parte isto é verdade.
Importa no entanto realçar que as elites, contrariamente ao
que uma larga franja de portugueses tende a considerar, não são apenas os
políticos, ou seja, as elites políticas. Ora este prisma de visão está
incompleto ou é inadaptável à realidade do país e não caracteriza
verdadeiramente as nossas elites. Na minha visão, elites não são apenas os
políticos: são os escritores premiados, os desportistas destacados, os
intelectuais reconhecidos, os jornalistas aclamados, os atores do cinema e do
teatro português reconhecidos internacionalmente, os líderes empresariais de
sucesso, os empreendedores inovadores, os líderes voluntariosos das ONG e dos
movimentos organizados da sociedade civil, os melhores advogados, juízes e
economistas que cá dentro e lá fora são referenciados. E estes são, como diz o
nosso amigo Jorge Carriço, um subgrupo de todos nós, povo! Reconheço-me neles,
devemos reconhecer-nos neles, pois são feitos do mesmo pó de que somos feitos.
Para o bem e para o mal.
Independentemente da proximidade à personalidade ou à linha
político-partidária que cada um representa ou ao reconhecimento das suas
qualidades políticas (ou ausência delas), não é demais relembrar Durão Barroso
e António Guterres. Ambos tiveram (e Guterres com grande destaque agora enquanto
Secretário Geral da ONU) um papel e uma posição internacional de grande
relevância que favoreceu o reconhecimento de Portugal na Europa e no Mundo. O
primeiro como Presidente da Comissão Europeia, e o segundo como o mais alto
representante da Organização das Nações Unidas, representam o que de melhor é
ser português: um pequeno país, uma grande história e uma gente singular. Por
isso está tudo dito sobre Egas Moniz, José Saramago, Amália, Eusébio, Siza
Vieira ou Vieira da Silva, entre muitos outros.
Tantas personalidades, tantos homens e mulheres de destaque
(numa lista que seria extensíssima) e tantos feitos, por gente de um país com
apenas 800 Km de costa e 92.207 Km2 de superfície terrestre. Poucos, muito
poucos, apenas 10 milhões, tantos quantos vivem em Londres e menos de quantos
vivem em Paris.
Mário de Jesus
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