1. Há uma constante que nunca muda ao longo de toda a História: Portugal era e é um pequeno território isolado nos confins da Europa, geograficamente isolado dos grandes centros de decisão política e económica da Europa, e por conseguinte, com uma participação esporádica nos grandes acontecimentos da História da Europa. Nos últimos 300 anos (após a Guerra da Sucessão de Espanha, em que um exército português chegou a ocupar Madrid), Portugal apenas teve protagonismo internacional no quadro das Guerras Napoleónicas e no ano de 1975, no contexto da Guerra Fria.
2. Essa condicionante geográfica determinou, em parte, quer os feitos ultramarinos, quer o atraso económico que Portugal vive face ao resto da Europa, que se acentuou com a chegada do ouro do Brasil, graças à qual Portugal morreu enquanto nação comercial, passando apenas a ser um lugar de passagem do ouro, investido na aquisição de bens de luxo e não nas manufaturas e na indústria.
3. Quando o Condado Portucalense passa a ter um rei independente da tutela dos reis de Leão, o novo reino de Portugal não era uma exceção na Península Ibéria, então dividida em duas civilizações, sendo que a cristã estava dividida em cinco reinos: Portugal, Leão, Castela, Navarra e Aragão. O processo de unificação destes reinos em torno de uma só coroa culminou em 1492, com o casamento de Fernando de Aragão e de Isabel, a Católica. O Reino de Espanha data de 1492. Porque razão o pequeno Reino de Portugal foi resistindo ao processo de unificação dos reinos ibéricos?
Em parte desconheço, mas calculo que a prioridade na luta contra os mouros e posteriormente a aliança inglesa poderão ter tido um efeito dissuasor nos reis de Leão (e posteriormente de Leão e Castela, e posteriormente Espanha). Ainda assim, provavelmente não terá sido uma prioridade, pois o reino de Leão e Castela tinha muito mais população e poder militar que o Reino de Portugal, facto que é também ele uma constante na História de Portugal até ao fim do Estado Novo. Não teria sido impossível aos castelhanos empreender a conquista militar de Portugal, se essa fosse a prioridade absoluta.
4. Nas artes e nas ciências na Idade Média, Portugal estava em linha com o resto da Europa. A tal não será alheio o facto de a população portuguesa à época contar, entre os súbditos da dinastia de Borgonha, com 1 terço de árabes/mouros e judeus. Esta riqueza e diversidade foram totalmente destruídas com um dos piores erros da História: a perseguição e expulsão aos judeus e muçulmanos. Esta perseguição privou Portugal de parte substancial da sua capacidade inventiva, conhecimento científico e criatividade artística. A partir de D. Manuel I, o povo português passa a ser uma entidade monolítica, sem diversidade. Interessante notar que o Padre António Vieira apresentou ao Rei D. João IV, o Restaurador, um plano para a recuperação que incluía o regresso dos judeus sefarditas a Portugal. O plano foi boicotado pelas forças reacionárias e retrógradas, contra as quais o rei se viu impotente para lutar (ou não quis).
5. O isolamento geográfico permitiu a Portugal poupar imensos recursos em conflitos militares que então assolavam a Europa. Ao invés, pôde contar com os recursos que os outros reinos não tinham e investi-los na expansão marítima, aliados ao conhecimento científico dos árabes, que os portugueses souberam aproveitar e desenvolver. A cartografia portuguesa da época dos descobrimentos era unanimemente considerada a mais avançada e valiosa da época. E era guardada com grande sigilo e secretismo por ordem expressa dos diversos monarcas.
6. Portugal na Idade Média e posteriormente no Renascimento estava razoavelmente bem integrado com os circuitos comerciais da época, em particular a Liga Hanseática. Esta integração foi essencial para escoar os produtos vindos do Oriente e abastecer o Oriente de produtos europeus. A feitoria portuguesa de Antuérpia era das mais importantes daquela grande cidade portuária da Liga Hanseática.
7. O Império Português compreende três fases muito distintas entre si, podendo mesmo falar-se em 3 impérios distintos: a fase do Índico, a fase do Atlântico Sul e a fase das colónias africanas. A fase do Índico e do Pacífico não era sustentável, pois o pequeno reino não tinha população nem armada suficiente para sustentar um império tão longínquo e disperso. Este Império não teve colónias, mas apenas cidades e fortalezas em pontos fundamentais. Ainda assim, foi forte a presença no Índico. Em Muscat, por exemplo, hoje capital de Omã, as duas fortalezas que existem nas duas extremidades da baía foram as que se construíram sob as ordens de Afonso de Albuquerque, com recurso à arquitetura militar portuguesa. As fortalezas aguentaram mais de 100 anos sob domínio português.
A fase seguinte foi a do Atlântico Sul, com a colonização do Brasil e com a expansão das Bandeiras. Contudo, o Brasil do século XVII já não era Portugal: era uma sociedade distinta de senhores, de senzalas e de mestiçagem. Foi esta mistura que expulsou os holandeses na Batalha dos Guararapes e não um exército vindo de Portugal.
Finalmente, a independência do Brasil deixou Portugal órfão durante todo o século XIX, de grande decadência económica e política. As colónias africanas, que finalmente se começaram a ocupar a sério, foram apenas um paliativo para um reino empobrecido, enfraquecido e incapaz de apanhar o comboio da Revolução Industrial, que degenerou na República em 1910.
Em defesa de Portugal, diga-se que apenas meia dúzia de países estavam altamente industrializados, e que nessa altura, Suécia, Dinamarca e Noruega eram tão pobres quanto Portugal.
8. Em 1580 Portugal não perdeu a sua independência, manteve-a. O que se passou foi que mudou de soberano. Mas era um soberano particular: Filipe de II de Espanha, filho de Carlos I de Espanha (imperador Carlos V da Alemanha), foi educado por uma mãe portuguesa. Falava português e comprometeu-se a respeitar a autonomia de Portugal e a garantir que Portugal continuava governado pelos portugueses.
Infelizmente o neto dele começou a distribuir os tachos portugueses a nobres espanhóis. Os portugueses privados dos seus tachos só podiam revoltar-se e colocar no trono o Bragança que garantia que os tachos portugueses eram ocupados por nobres portugueses. A independência custou caro: ceder muitas possessões ultramarinas que constituíram o embrião do Império Britânico (cedência de Bombaím, por exemplo), por força do casamento da nossa Catarina de Bragança com Carlos I de Inglaterra. Também foi preciso o apoio da República das Províncias Unidas (hoje Reino dos Países Baixos), o que custou dinheiro e a cedência de mais praças e possessões.
No entanto, foi a existência de um império global que garantiu a independência de Portugal: a Catalunha ou o País Basco nunca tiveram colónias na América ou em África.
9. A maior parte dos reis de Portugal foram reacionários e conservadores. Muito ciosos do seu título de reis protetores do catolicismo, bloquearam a Revolução Científica do século XVII e asfixiaram a criatividade intelectual e científica. Este isolamento foi apenas rompido pelo Marquês de Pombal, o enérgico e voluntarioso Ministro do Rei D. José. A reconstrução de Lisboa após o Terramoto é, para mim, o maior de todos os feitos da História de Portugal. Lisboa poderia perfeitamente ter desaparecido, transferir-se para outro lugar, etc. Foi um esforço absolutamente imenso e a reconstrução criou uma cidade que para a época era de um urbanismo absolutamente pioneiro, com ruas racionais, traçadas a régua e esquadro. As invasões francesas e a perda do Brasil, acabaram por ditar que a revolução urbanística empreendida por Manuel da Maia, Eugénio dos Santos e Carlos Mardel ficasse limitada ao pequeno espaço que hoje é a Baixa pombalina.
10. Portugal falhou completamente a Revolução Industrial, e até aos anos 80, ainda tinha mais habitantes nas zonas rurais que urbanas. A infraestrutura ferroviária era insuficiente, as comunicações também. A construção de infraestruturas durante o fontismo era necessária, mas degenerou na bancarrota de 1891, conjugada com a humilhação do ultimato. Eça de Queirós lamentou que Portugal apontasse culpas à Inglaterra em vez de lutar por um país mais rico, dinâmico e desenvolvido.
11. O século XX foi uma sucessão de desastres políticos, começando na I República incapaz de garantir a estabilidade política e económica, que degenerou no Estado Novo, conservador e reacionário. Porventura, mais que a falta de liberdade, foi deplorável a promoção do espírito de pobreza e mediocridade remediada do povo português. A mentalidade do pobrezinhos mas felizes, o elogio da aldeia e da ruralidade. A mentalidade do padre de província. A ausência de uma economia de mercado capitalista e competitiva. O desprezo pelo progresso intelectual e por influências externas.
O Estado Novo cavou a sua própria sepultura com a Guerra Colonial. A vontade quixotesca de manter um império colonial que nos anos 60 já era completamente obsoleto levou a uma guerra impossível de ganhar e à ainda pior impossibilidade de negociar uma solução sensata e ponderada que garantisse os direitos dos portugueses das colónias. A descolonização de 75 é culpa de Marcelo Caetano e de Salazar, não de Mário Soares, como uma certa direita chauvinista e arrivista gosta de proclamar, assim como Marcelo Caetano e Salazar, mas Marcelo em particular, ao se recusarem a reformar o regime ou a preparar a transição para a democracia como o Franco em Espanha, preferiram sentar-se na panela de pressão.
O resultado foi um golpe de estado que uns dias depois gerou uma onda popular cavalgada pelo PCP e extrema-esquerda para todo o género de tropelias que gravemente danificaram a nossa economia. O período cavaquista foi o último neste ciclo da incapacidade de tornar a economia portuguesa internacionalmente competitiva e da manutenção da crónica incapacidade para combater a corrupção, a incompetência e fomentar a coesão social.
Enfim, tudo visto e ponderado, há muitas coisas no nosso país de que não nos podemos orgulhar. Somos velhos e pobres, mas temos a sorte de viver, neste mundo perigoso, num dos países mais seguros do mundo, e isso não é um pormenor. Temos a capital com mais dias de sol na Europa e come-se e bebe-se muito bem por cá. Pena o património histórico estar em geral maltratado e não termos uma rede de transportes públicos dignos desse nome.
Parece-me ainda que com as suas glórias e misérias, a História de Portugal é muito singular face à dos outros países da Europa, e em geral todos os estrangeiros a quem tenho explicado aspetos da nossa História interessam-se muito por um país sobre o qual pouco sabem, muito por culpa da nossa incapacidade de nos vender.
Aproveitemos as low cost e esta nova onda do turismo para, pelo menos, nos tornarmos mais conhecidos lá fora. Para que os miúdos mundo fora aprendam sobre Vasco da Gama, Pedro Álvares e Afonso de Albuquerque e as enciclopédias de História sejam menos injustas com o lugar de Portugal na História, pelo menos na da expansão da Europa pelo mundo.
Eurico Pedrosa
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