O SNS tem sido reconhecido não só pela generalidade dos profissionais de saúde mas também por uma larga franja de cidadãos, como um bom sistema e uma das «construções« mais sólidas do período da democracia. Há mesmo quem lhe aponte muitos sinais e exemplos de excelência.
Muito foi feito e investido no SNS ao longo dos anos e muitas das ineficiências foram sendo, também ao longo dos anos, combatidas. Todos temos bons e maus exemplos mas na generalidade, muitos especialistas, estudiosos do tema e profissionais da área que não apenas médicos, testemunharam a sua qualidade comparativa.
Surpreende por isso muitos cidadãos o que se tem passado recentemente nas urgências dos hospitais neste período festivo de Natal e fim de ano. Na opinião de muitos, parece que o colapso se instalou e que os casos dos óbitos ocorridos, ultrapassam o que era esperado e expectável em face de toda a evolução e da qualidade já reconhecida ao SNS.
No hospital Amadora-Sintra, chegou-se ao ponto de um doente ter que esperar em média 22 horas nas urgências para ser atendido. Tal situação, levou à necessidade de contratar de uma só vez 10 médicos para o serviço de urgências. Depois, observando-se o cenário a nível nacional, verificou-se que no Porto esse período de espera foi em média de 18 horas, no centro do país de 10 horas e nos hospitais públicos do sul de cerca de 20 horas. Estas ocorrências foram totalmente inesperadas e levaram à exigência de explicações por parte do governo e alertaram para a necessidade de uma profunda reflexão sobre o que se passa na saúde.
Notícias da primeira semana do ano davam conta que os hospitais de Almada e do Barreiro apresentaram médias de 24 horas de espera nas urgências e que por exemplo o hospital de Abrantes já nem daria respostas quanto ao tempo de espera estimado.
Ouvindo o que os representantes dos enfermeiros e o bastonário da Ordem dos Médicos afirmam, a culpa é da má gestão nas áreas da saúde, da racionalização de meios imposta e da redução dos custos de funcionamento, onde se incluirá a insuficiente contratação de médicos e/ou o aumento do nº de horas de banco/urgência, imposto pelo governo, o que reduziu estruturas e contribuiu para instalar o caos nas urgências. Haverá médicos e enfermeiros que estão 48 horas em permanência de serviço. Tal não se trata, por isso, de um cenário aceitável e compatível com um país desenvolvido e o que se espera de um SNS como aquele em que o país vinha há muitos anos a investir.
Este cenário em que se vive no momento, tem resultado, segundo várias opiniões provenientes de diversos quadrantes ligados à saúde, da ausência de planeamento adequado por parte do Ministério da Saúde o qual não acautelou o aumento significativo do fluxo de doentes aos hospitais nesta quadra e neste período de Inverno.
A posição tornada pública pela Ordem dos Médicos, Ordem dos Enfermeiros e profissionais da administração hospitalar é que as causas desta situação radicam no mau planeamento o que, a acrescer aos cortes nas verbas da saúde e ao nível mínimo de pessoal em que muitos hospitais operam, muitos deles sem margem de segurança que permita acautelar aumentos da procura, levou à falta de capacidade de resposta das unidades hospitalares.
Acresce ainda um outro facto curioso: o de os Bombeiros virem a afirmar que as macas chegaram a estar esgotadas e o nº de ambulâncias foi insuficiente para, em determinados períodos, dar resposta às necessidades dos pacientes, situação que não é aliás nova e que já se tinha repetido.
Do lado do governo surgiu a informação, que parece óbvia, de que não é possível adivinhar nem as condições climatéricas que se têm feito sentir neste Inverno, nem o tipo de estirpes da gripe que todos os anos sofrem mutações, fatores associados ao aumento do nº de óbitos nesta época do ano, o que torna difícil uma resposta adequada aos problemas surgidos. Aliado a estes factos está, defende o governo, um outro: a passagem à reforma, no ano transato, de 600 médicos do SNS.
Já a Ordem dos Médicos aponta também a emigração como agravante deste cenário já que é referida a saída para o estrangeiro em 2014 de cerca de 400 especialistas, não porque não fossem necessários, não porque não obtivessem colocação mas sim porque as condições remuneratórias propostas lhes eram muito adversas. A mesma refere também que o problema é ainda agravado porque uma má gestão da saúde permitiu que se deixassem sair estes médicos o que depois levou à necessidade de contratar empresas fornecedoras de mão-de-obra aos hospitais, porém já tarde.
O que se sabe é que no último mês se registou o óbito de 8 pacientes nos serviços de urgência dos hospitais públicos. A Direção Geral de Saúde (DGS) afirma que ocorreram mais 1.900 óbitos para além do esperado nesta época do ano. Entretanto o governo coloca como hipótese vir a contratar médicos reformados para o Centro Hospitalar de Lisboa e voltou a disponibilizar mais 562 camas no serviço público.
Tudo isto exige uma profunda reflexão e debate sobre o que se está a passar no setor da saúde em Portugal. As medidas tomadas ou a tomar, como atrás referido, podem induzir os cidadãos a pensar que nem tudo foi adequadamente planeado e organizado e que os serviços públicos de saúde entraram em rotura por causa disso.
Pelas informações veiculadas na comunicação social e através dos representantes das organizações do setor da saúde, percebe-se mal se há efetivamente falta de médicos; aparentemente parece que sim. No entanto há médicos a ser contratados pontualmente através de empresas prestadoras de serviços afirmando a Ordem dos Médicos que são pagos 8€ por hora nos hospitais públicos quando nos privados lhes são pagos 80€.
Outro aspeto que se entende mal é o acesso à profissão. Em Portugal exige-se os 18 valores como média mínima para o acesso aos cursos de medicina o que limita de forma drástica a preparação de novos médicos. Mas não será a profissão de médico acima de tudo (e sobretudo) uma vocação?
Mereceria a pena uma reflexão sobre a adoção de algumas práticas existentes noutros países, como por exemplo a França (e em algumas universidades na Inglaterra) onde quem quiser e pensar que tem gosto e vocação, entra para medicina. Só depois, no primeiro ano de curso, é feita uma verdadeira seleção segundo critérios de aptidão, notas escolares, sensibilidade, conhecimentos, adaptação, vocação etc.
A restrição em Portugal à entrada de mais alunos leva a que, mais tarde, os mesmos exijam trabalhar nos centros urbanos em vez de no interior e a exigir níveis salariais que o país não consegue pagar.
Importa assim evitar o risco de ver desconstruído e fragilizado o SNS tal como foi concebido e com os méritos que muitos lhe reconhecem. Não se trata apenas e só de um problema de dinheiro. É por isso importante que se escutem os profissionais da saúde: médicos, enfermeiros, gestores hospitalares e outros.
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