Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quinta-feira, agosto 29, 2013

Enfim... a Liberdade


Ainda bem que tivemos um 25 de Abril de 1974 porque no anterior regime do Estado Novo não tínhamos liberdade, quer para expressar o nosso pensamento, quer para reivindicar melhores condições de vida sob pena de sermos considerados perigosos agitadores, revolucionários, que punham em causa a estabilidade e a vida normal do país, apesar de este permanecer orgulhosamente só

Tínhamos direito a voto? Claro, mas só que o partido concorrente era o único e, mesmo no tempo da denominada primavera Marcelista, apesar de outros partidos aparecerem, rapidamente foram impedidos de ter uma voz activa. Enfim, de facto, não havia mesmo liberdade. 

Finalmente surge o 25 de Abril e, felizmente, eu estava lá, vivi e acompanhei a par e passo o Movimento das Forças Armadas (MFA), pois estava colocado no Ministério da Defesa Nacional, como se sabe, sediado na Rua da Cova da Moura, em Alcântara, uma perpendicular à Avenida Infante Santo. Ali eram controladas todas as Forças Armadas, militares, paramilitares e polícias, nomeadamente Exército, Força Aérea, Marinha, Legião Portuguesa, Mocidade Portuguesa, DGS, PSP, GNR, entre outras. 

Ali cumpri parte (cerca de 22) dos meus 40 meses de Serviço Militar Obrigatório e ali se instalou o Movimento das Forças Armadas, vulgo MFA. Tive, pois, o privilégio de assistir à chegada de Mário Soares, de Álvaro Cunhal, e de outros ex-presos políticos que ali acorreram a saudar o MFA e a se regozijarem com a chegada da liberdade que nos iria permitir introduzir a democracia para que, finalmente, o povo tivesse direito ao voto e a escolher os seus governantes, participando assim activamente nas decisões do seu país e ter acesso a uma vida melhor, através de uma distribuição mais equitativa da riqueza gerada por todos nós. 

Comemorou-se o primeiro 1.º de Maio em liberdade que só quem o viveu pode aquilatar da sua grandiosidade. Aconteceram vários episódios, uns mais outros menos felizes, próprios do período revolucionário em curso (PREC), e gradualmente se foi cimentando uma certa estabilidade social que finalmente nos deu a conhecer eleições livres, e a possibilidade de escolha dos nossos representantes para a Assembleia da República (AR) e do Governo. 

Foram tantas as promessas, os desejos, os sonhos, os anseios, feitos pelos novos políticos oriundos do exílio e da clandestinidade mas sem experiência na condução da res publica que, apesar de se esforçarem para adquirir competências, nem tudo corria bem, o que aliás era previsível. Afinal a Liberdade tinha os seus custos. 

O MFA entregou o poder aos civis, bem como os bens materiais e financeiros que confiscou ao anterior regime e que permitiram a criação de empresas públicas nacionalizadas e a constituição de novos partidos políticos. Estes novos agentes depressa se instalaram, rapidamente absorveram os bens materiais e financeiros colocados à sua disposição e se apetrecharam para o processo eleitoral, enfim, para conquistarem o poder e constituir governo. 

Passados estes anos todos o que mudou? O que obtivemos enquanto povo? Provavelmente muita coisa, entre outras a liberdade de poder escrever estas linhas sem ser preso. 

Outrora não podíamos intervir nos nossos destinos, a participação estava bloqueada pelo poder de então, as eleições existiam mas todos sabiam que eram uma fraude. E agora? Temos partidos políticos, podemos votar e escolher os melhores, os que queremos, para formar governo e nos representarem? Será que na prática temos mesmo essa liberdade? Se não concordarmos com alguém ou se verificarmos que alguém nos enganou, não cumpre o programa que nos levou à sua escolha, qual é o nosso poder? Podemos nós, cidadãos, retificar algo? Provavelmente não! E porquê? Porque, perante o actual quadro eleitoral só os deputados detêm o poder de alterar as leis e neste contexto estão, de certo modo, protegidos do descontentamento dos cidadãos que se sintam enganados, afigurando-se como uma espécie de poder absoluto, de intocáveis, como se o poder tivesse sido construído de cima para baixo, sem a participação cívica que a todos nós deve dizer respeito. Quem sabe se, mormente no início da nossa jovem democracia, facilitado pela incipiente cultura política do povo e de este ter muito que aprender, sobretudo a saber viver em liberdade, como então se dizia. Deste contexto surgiu e instalou-se um certo modelo de poder que, mantendo-se por demasiado tempo, sem ser repensado e remodelado, suscita por parte dos cidadãos ilações do tipo eles governaram-se, protegeram-se e defenderam com legislação os seus privilégios. Talvez seja o tempo de, através de uma nova lei eleitoral, se efetivar um refrescamento da nossa democracia. 

Era suposto que o papel dos lideres mais carismáticos da época fosse centrado na educação política do povo, que permitisse tirá-lo da ignorância, que lhe desse operadores para decidir a sua vida, de saber em quem votar, de saber escolher os seus representantes, mas não, nada disto foi uma preocupação, dando a entender que aqueles apenas estavam interessados em conquistar o poder, mantendo e tirando partido desta ignorância em proveito próprio. 

Assim, será lícito perguntar , mas já não era assim no Estado Novo? Enriquecimento ilícito, acumulação de cargos no aparelho de Estado com cargos nas empresas públicas, com sociedade em gabinetes de advogados e outras profissões liberais, com negócios em que ora estão de um lado ora estão do outro? Não se afigurará tudo isto muito confuso aos olhos dos cidadãos? 

Dir-me-ão, mas nem todos são assim, e depois? Quem manda? Qual o nosso poder de intervenção? Quem legisla? Quem é que define quem pode concorrer à AR? Quem é que selecciona os elementos para entrarem no partido? Quem controla os partidos? 

Parece que, em termos práticos, estamos perante um modelo fechado, constituído por partidos que não são mais do que guetos, sociedades herméticas, com normas e valores próprios quais barreiras defensivas que os protegem e lhes permitem perpetuar algumas mordomias. 

Quando toca a sacrifícios para corrigir os erros dos políticos que nos governaram, quem é chamado a pagar as consequências? E quem é que escapa sempre à sanção? E quem é responsabilizado? E quem é retirado de funções porque errou e, em vez da respectiva sanção, é colocado em lugares dourados com salários principescos? Não, não é necessário citar nomes porque todos os conhecemos e enquanto perdurar a atual lei eleitoral, dificilmente se alterará este estado de coisas. 

Será que foi esta a democracia prometida e ansiada pelos portugueses? Afinal onde estão as vozes daqueles que acusaram o Estado Novo do nosso empobrecimento intelectual, material e cultural e nos prometeram condições de vida mais dignas? 

Para o POVO sobrou a Liberdade de dizer, mas, na prática, de nada vale porque não nos dá qualquer poder, continuamos reféns dos novos poderosos que substituiram os poderosos de outrora. 

O único protesto que nos resta é demonstrar pelo voto para quem deveria ter sido feito o 25 de Abril de 1974. Se deitarmos o voto na rua, se continuarmos a passar cheques em branco, a crer e votar naqueles que nos têm desiludido estes anos a fio, então a revolução de Abril terá sido em vão.

Foto - José Ferreira Alves

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