Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quarta-feira, junho 25, 2014

Avaliação e reflexões do FRES às eleições europeias


O presente texto resume as reflexões e as ideias evidenciadas e destacadas pelo FRES sobre o processo eleitoral que decorreu na Europa no passado mês de maio, após encontro realizado no passado dia 4 de junho em Lisboa.

A Europa da pós-tempestade eleitoral


Ideias‑chave

1. Admite-se que os resultados obtidos pelos partidos tanto da extrema-direita como da extrema-esquerda, como os verificados em França, Dinamarca, Holanda, Inglaterra e Grécia, seriam diferentes num contexto de eleições legislativas locais. Nestas últimas, refletir-se-ia sobretudo o efeito do voto útil, permanente fator decisivo nos resultados finais. A franja de cidadãos votantes terá provavelmente aproveitado estas eleições europeias para demonstrar a sua insatisfação e distanciamento face ao modelo de política europeia vigente. Não é de afastar a ideia de que, em alguns casos, os cidadãos possam ter aproveitado estas eleições para manifestar também algum descontentamento quanto às políticas internas.

2. Não é despiciendo o valor da abstenção pois a taxa média de votantes na UE foi de 43%, com alguns países a atingirem taxas de abstenção acima de 60% ou mesmo 80%, o que permite concluir que os votos nos partidos antieuropeus, ainda que tenham registado crescimentos muito significativos face a eleições anteriores, não estão, ainda, a representar uma larga maioria. Mas esta evolução deve ser vista como um aviso e um sinal preocupante para os governantes europeus e para as políticas ultimamente seguidas.

3. Ainda quanto à questão da interpretação do voto dos europeus, podemos assumir a ideia de que as pessoas reagem e atuam em função de incentivos, exigindo alternativas. Entre os incentivos, a questão do bem-estar revela-se como um aspeto fundamental e incontornável. E esse bem-estar obtém-se com os recursos financeiros que lhe são indispensáveis, hoje mais escassos porque há, aliás, mais países a quem distribuir os recursos existentes. Quanto às alternativas, essas são aparentemente escassas. A fuga para a extrema-direita ou extrema-esquerda e a dimensão da abstenção (esta já estrutural nestas eleições) foram certamente parte dessa alternativa.

4. Importa recordar que a Europa de hoje é diferente e muito melhor que a Europa de há apenas 30 ou 50 anos atrás e tem registado desde sempre avanços e melhorias nas condições de vida proporcionadas pelos Estados ao longo do tempo. Os níveis de bem-estar económico e social são incomensuravelmente superiores de década para década e, por isso, importa também relativizar o mal-estar e as dificuldades em que muitos cidadãos europeus vivem nos tempos mais recentes. Independentemente da austeridade hoje vivida e sentida e das restrições orçamentais que as pessoas vivenciam, a verdade é que os cidadãos europeus vivem em níveis de conforto e bem-estar muito acima do que usufruíram os seus pais e avós. A questão é que alguns destes cidadãos europeus viveram no passado recente em melhores condições económicas e financeiras e a crise que se instalou provocou algum retrocesso nesse seu bem-estar, o que os transportou a níveis de insatisfação e frustração que foram expressos neste tipo de voto de protesto.

5. Hoje, na Europa, tem predominância a economia, o capital, os mercados e a criação de riqueza. Esta é uma Europa que é governada por tecnocratas e especialistas nestas áreas não sendo difícil entender porque é que, em muitas ocasiões, a vertente económica se tem sobreposto à vertente política. Tal não quer dizer que a Europa tenha que ser liderada por outro tipo de pessoas que não estão sensibilizadas para a importância da economia, dos equilíbrios orçamentais ou da criação de riqueza, ou que nenhum dos atuais líderes europeus não revele sensibilidade social. A questão é que talvez fizesse falta equilibrar este peso com pessoas mais próximas dos temas sociais e humanistas. Repare-se que a Europa se desviou da génese da sua criação: uma união onde os valores da solidariedade, da humanização e da não-agressão estariam acima de tudo o resto. Foi assim este ideal Europeu e esta Europa pensada por Monnet e Schuman que se inscreveu no Tratado de Roma em 1957.

6. Uma parte da recente transformação europeia pode explicar-se por um certo enfraquecimento político da França, consequência de um certo enfraquecimento económico. A Europa foi inicialmente pensada e liderada por países como a França, a Inglaterra e os países do Benelux (Luxemburgo, Bélgica e Países Baixos). Foram estes os fundadores da União Ocidental (UO) em 1950, através do Tratado de Bruxelas, assinado nesse ano (que mais tarde em 1954 dá origem à UEO). Homens como De Gaulle, Giscard D´Estaing, Miterrand ou Delors, são personalidades de destaque na construção europeia aos quais se terá que juntar naturalmente Konrad Adenauer, que desejou ancorar a Alemanha ao ocidente europeu e conciliar a relação franco-alemã. Porém, com o fim da «cortina de ferro», culminado com a queda do muro de Berlim, surgiu uma Alemanha cada vez mais forte e determinada, que vem revelar um crescente e incomparável poder económico, quando a França inicia um processo de enfraquecimento económico, e consequentemente político. A Inglaterra não estando fora, nunca esteve verdadeiramente dentro.

7. Outro aspeto que veio determinar a evolução, o rumo e a relação entre países da UE foi a criação do Euro. Com uma só moeda, sem o domínio da política monetária e cambial, os países com economias mais fracas e em velocidades de crescimento mais baixas deixam de dispor de um instrumento, até aí essencial, para reagir em momentos de choque externo, instrumento esse que era a capacidade de desvalorização da sua moeda de modo a ganharem competitividade externa. Dessa forma, o único mecanismo que passam a dispor para melhorar essa competitividade, especialmente em períodos de crise, é a desvalorização interna, esta obtida através da redução da despesa corrente e da redução do custo dos fatores, essencialmente do fator trabalho. Dito de outra forma, através da redução de salários. Com isto, o Euro torna-se um problema e não uma solução especialmente para os países do sul da Europa já que a rigidez das suas regras, independentemente das características económicas de cada país, vem criar dificuldades acrescidas aos países economicamente menos fortes. O resultado é que, com o Euro, torna-se mais difícil fugir às políticas de austeridade aplicadas aos países em dificuldade. Tais políticas têm vindo a gerar um descontentamento social generalizado em vários países cujo reflexo é em parte visto nos resultados eleitorais de Maio. Torna-se claro, por tudo o que se sabe que implicaria, que a discussão dificilmente passará pela saída do Euro já que os custos calculados parecem superar os proveitos que se obteriam. A grande questão - à qual parece não se ter dado a devida importância - é se países como Portugal deveriam ter entrado?.

8. A Europa é composta por 28 países com estádios de desenvolvimento, forças e fraquezas, necessidades e expetativas diferentes, crenças, valores e culturas distintas, sendo muito difícil falar a uma só voz. Há menos países ricos e mais países pobres. Por outro lado, como as economias de grande parte destes países não criam, tal como se conseguiu no passado, a riqueza suficiente para sustentar o modelo social em que a Europa estava assente, este terá que ser irremediavelmente alterado e sê-lo-á porventura em desfavor dos cidadãos. A rigidez de uma moeda única não ajudou.

9. Finalizando, prevê-se que pouco ou nada se irá alterar no tempo atual. Ainda que alguns considerem que a Europa não vê legitimado, depois destas eleições, o seu modelo político, a verdade é que as instituições europeias permanecem, assim como os modelos de decisão e governação, tal como as políticas seguidas até aqui. Não será, no entanto, demais realçar que o papel das instituições europeias é, presentemente, mais formal do que real, uma vez que, de facto, o poder de decisão que lhes é conferido por força dos Tratados se encontra refém da aceitação/concordância da Alemanha (seja da Chanceler Merkel seja do Tribunal Constitucional alemão). Na prática, aquelas competências estão condicionadas pela posição alemã. E foi isso também que os europeus fizeram questão de mostrar que rejeitam. Teremos que aguardar pela sua reação em momentos eleitorais futuros. Tudo dependerá das políticas que serão seguidas pela UE. Depois disso, perceberemos se a viragem para os extremos se solidificará ou se tudo voltará a ser business as usual. Estas eleições deram assim um indisfarçável sinal para a inevitabilidade de mudar o rumo que tem estado a ser adotado. Assim, ou se altera o rumo, e para isso é necessário retomar o caminho anterior, uma Europa mais solidária e humanista; ou se mantém o rumo, e aí deve-se ter a plena consciência de que existe o risco de a Europa se desintegrar. Esta segunda hipótese é por si só mais do que suficiente para os europeus se consciencializarem para a impreterível mudança.

Lisboa, junho de 2014
FRES – Fórum de Reflexão Económica e Social

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