A poucos dias de completar os seus 40 anos e atingir, por isso, a meia-idade, a nossa democracia atingiu já há muito, pelo menos no plano teórico, a idade adulta. Importa por isso que todos nós, cidadãos, neste tempo de luta política mas também de tormenta económica e de dificuldades sociais acrescidas, façamos uma reflexão séria mas descomprometida sobre a qualidade desta democracia.
Como
grupo de debate, reflexão e opinião, o FRES revela neste campo
responsabilidades igualmente acrescidas, pelo que este será um assunto que não
passará, certamente, à margem das preocupações dos seus membros.
E
sobre a qualidade da democracia muito haverá a dizer. Por exemplo, que a
opinião dos portugueses sobre a mesma é pouco abonatória. Fazendo aqui
referência a uma recente notícia da Fundação Francisco Manuel dos Santos, na
qual esta retira de um estudo designado por Concepções e Avaliações da
Democracia, lançado através do Portal do Cidadão e que será apresentado em
breve pelo Instituto de Ciências Sociais, a conclusão de que a satisfação dos
portugueses com a qualidade da nossa democracia é de apenas 1,8 numa escala de
1 a 4. Por exemplo na Alemanha esta opinião toca nos 2,8.
Aparentemente,
conclui-se logo em primeira linha que os portugueses têm uma conceção de
democracia que vai muito para além do direito ao voto e de eleições livres e
justas. Quer isto dizer que os portugueses são exigentes com a sua democracia,
ou pelo menos mais exigentes do que parecem, o que aliás têm vindo a demonstrar
quer com os níveis de abstenção crescentes verificados nos últimos anos quer
com a degradação da opinião que, na generalidade, os cidadãos têm vindo a
demonstrar sobre os políticos que os governam.
Este
divórcio com a classe política não será mais do que a prova da tal insatisfação
que os portugueses revelam face à sua democracia. Hoje, o voto não anima quando
o que resulta desse voto é um sentimento de que nada mudará e tudo continuará
na mesma, i.e., a injustiça permanece, a justiça não atua a tempo e horas, a
corrupção mantém-se a níveis inaceitáveis, continua a vingar o clientelismo, as
desigualdades agravam-se, a qualidade de vida deteriora-se e o bem-estar
perseguido continua a ser uma miragem.
Por
outro lado já não há ideologia que inspire alguém quando se confundem todas as
correntes ideológicas, estas intercetando-se nos pontos de interesse comum
dos partidos, sejam elas correntes de esquerda ou de direita, pois já pouco se
distingue quem é quem e os cidadãos não se conseguem identificar com os
valores e princípios dessas mesmas correntes ideológicas.
Não
deixa de ser verdade que existe hoje um desânimo em muitas hostes sobre as
conquistas de Abril e da liberdade. Apesar de tudo o que se conquistou, em
especial essa mesma liberdade que fez nascer a democracia, e apesar dos
sucessos alcançados. Sem Abril não teríamos chegado aqui. Mas também ao
chegarmos aqui elevámos as nossas expetativas e desejos, sonhos e ambições. E
é sobre estes que hoje nasce o desânimo e é por estes que pouco se crê na
democracia ou pelo menos nos seus aspetos mais relevantes. Já não nos basta a
liberdade, exigimos a igualdade, já não nos basta a igualdade de oportunidades,
exigimos a fraternidade, já não nos basta termo-nos libertado dos grilhões da
ditadura, exigimos a justiça social, já não nos basta a mera escolha política,
exigimos o cumprimento da verdade e o progresso que nos parece cada vez mais
inalcançável.
E
é esta reflexão política e filosófica que importa fazer sobre esta democracia.
E não basta apenas comentar o que se ouve ou comentar as ideias dos outros.
Torna-se necessário que, cada um de nós, assuma essa discussão e as suas
próprias ideias e posições. Sem medo, sem dogmas, sem justificações: quem quer fazer arranja uma forma, quem não
quer arranja uma desculpa.
Há
hoje espaço para repensar toda a democracia. Desde a organização dos partidos,
à forma em como estes interagem quer com a sociedade quer com os cidadãos, mas também com
o meio económico, o que acontece por vezes de forma pouco transparente. Há espaço para repensar
como fazer a renovação desses partidos, com que pessoas e quando. Há espaço
para repensar todo o atual sistema eleitoral, a composição da Assembleia, o
papel dos deputados como representantes do povo e da nação. Há espaço para
repensar como podem os governantes utilizar os recursos financeiros da nação –
impostos e outras receitas - (e por isso de todos os cidadãos) nos seus
programas de investimento público de forma competente, eficiente e com
resultados para o bem comum e não de forma arbitrária e pouco clara. Como há
muito espaço para repensar como fazer a redistribuição dos proveitos e dos
recursos por todos, procurando assim combater a desigualdade: de oportunidades,
de acesso a bens e serviços, de rendimentos e social. São muitas desigualdades
que ferem a qualidade desta democracia e que os cidadãos contestam.
São muitas reformas por fazer, em especial uma grande reforma: a das atitudes, em primeiro lugar dos políticos e governantes, para que percebam que têm que colocar os interesses da nação e dos cidadãos em primeiro lugar em vez dos seus, e de modo a sentirem que o seu papel não é mais do que o cumprimento de uma missão - servir. Mas também a reforma das atitudes dos cidadãos, para que sejam mais atentos, ativos, participativos, intervenientes. Para que não se demitam de todas as suas responsabilidades cívicas, para que fiscalizem e exijam dos políticos e governantes o que é de se lhes exigir. Só com essa corresponsabilização se alcançará uma democracia madura, séria e com um nível de qualidade que hoje deixa a desejar.
São muitas reformas por fazer, em especial uma grande reforma: a das atitudes, em primeiro lugar dos políticos e governantes, para que percebam que têm que colocar os interesses da nação e dos cidadãos em primeiro lugar em vez dos seus, e de modo a sentirem que o seu papel não é mais do que o cumprimento de uma missão - servir. Mas também a reforma das atitudes dos cidadãos, para que sejam mais atentos, ativos, participativos, intervenientes. Para que não se demitam de todas as suas responsabilidades cívicas, para que fiscalizem e exijam dos políticos e governantes o que é de se lhes exigir. Só com essa corresponsabilização se alcançará uma democracia madura, séria e com um nível de qualidade que hoje deixa a desejar.
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