Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quinta-feira, março 20, 2014

Qual a qualidade da democracia?



A poucos dias de completar os seus 40 anos e atingir, por isso, a meia-idade, a nossa democracia atingiu já há muito, pelo menos no plano teórico, a idade adulta. Importa por isso que todos nós, cidadãos, neste tempo de luta política mas também de tormenta económica e de dificuldades sociais acrescidas, façamos uma reflexão séria mas descomprometida sobre a qualidade desta democracia.
Como grupo de debate, reflexão e opinião, o FRES revela neste campo responsabilidades igualmente acrescidas, pelo que este será um assunto que não passará, certamente, à margem das preocupações dos seus membros.
E sobre a qualidade da democracia muito haverá a dizer. Por exemplo, que a opinião dos portugueses sobre a mesma é pouco abonatória. Fazendo aqui referência a uma recente notícia da Fundação Francisco Manuel dos Santos, na qual esta retira de um estudo designado por Concepções e Avaliações da Democracia, lançado através do Portal do Cidadão e que será apresentado em breve pelo Instituto de Ciências Sociais, a conclusão de que a satisfação dos portugueses com a qualidade da nossa democracia é de apenas 1,8 numa escala de 1 a 4. Por exemplo na Alemanha esta opinião toca nos 2,8.
Aparentemente, conclui-se logo em primeira linha que os portugueses têm uma conceção de democracia que vai muito para além do direito ao voto e de eleições livres e justas. Quer isto dizer que os portugueses são exigentes com a sua democracia, ou pelo menos mais exigentes do que parecem, o que aliás têm vindo a demonstrar quer com os níveis de abstenção crescentes verificados nos últimos anos quer com a degradação da opinião que, na generalidade, os cidadãos têm vindo a demonstrar sobre os políticos que os governam.

Este divórcio com a classe política não será mais do que a prova da tal insatisfação que os portugueses revelam face à sua democracia. Hoje, o voto não anima quando o que resulta desse voto é um sentimento de que nada mudará e tudo continuará na mesma, i.e., a injustiça permanece, a justiça não atua a tempo e horas, a corrupção mantém-se a níveis inaceitáveis, continua a vingar o clientelismo, as desigualdades agravam-se, a qualidade de vida deteriora-se e o bem-estar perseguido continua a ser uma miragem.
Por outro lado já não há ideologia que inspire alguém quando se confundem todas as correntes ideológicas, estas intercetando-se nos pontos de interesse comum dos partidos, sejam elas correntes de esquerda ou de direita, pois já pouco se distingue quem é quem e os cidadãos não se conseguem identificar com os valores e princípios dessas mesmas correntes ideológicas.

Não deixa de ser verdade que existe hoje um desânimo em muitas hostes sobre as conquistas de Abril e da liberdade. Apesar de tudo o que se conquistou, em especial essa mesma liberdade que fez nascer a democracia, e apesar dos sucessos alcançados. Sem Abril não teríamos chegado aqui. Mas também ao chegarmos aqui elevámos as nossas expetativas e desejos, sonhos e ambições. E é sobre estes que hoje nasce o desânimo e é por estes que pouco se crê na democracia ou pelo menos nos seus aspetos mais relevantes. Já não nos basta a liberdade, exigimos a igualdade, já não nos basta a igualdade de oportunidades, exigimos a fraternidade, já não nos basta termo-nos libertado dos grilhões da ditadura, exigimos a justiça social, já não nos basta a mera escolha política, exigimos o cumprimento da verdade e o progresso que nos parece cada vez mais inalcançável.
E é esta reflexão política e filosófica que importa fazer sobre esta democracia. E não basta apenas comentar o que se ouve ou comentar as ideias dos outros. Torna-se necessário que, cada um de nós, assuma essa discussão e as suas próprias ideias e posições. Sem medo, sem dogmas, sem justificações: quem quer fazer arranja uma forma, quem não quer arranja uma desculpa.

Há hoje espaço para repensar toda a democracia. Desde a organização dos partidos, à forma em como estes interagem quer com a sociedade quer com os cidadãos, mas também com o meio económico, o que acontece por vezes de forma pouco transparente. Há espaço para repensar como fazer a renovação desses partidos, com que pessoas e quando. Há espaço para repensar todo o atual sistema eleitoral, a composição da Assembleia, o papel dos deputados como representantes do povo e da nação. Há espaço para repensar como podem os governantes utilizar os recursos financeiros da nação – impostos e outras receitas - (e por isso de todos os cidadãos) nos seus programas de investimento público de forma competente, eficiente e com resultados para o bem comum e não de forma arbitrária e pouco clara. Como há muito espaço para repensar como fazer a redistribuição dos proveitos e dos recursos por todos, procurando assim combater a desigualdade: de oportunidades, de acesso a bens e serviços, de rendimentos e social. São muitas desigualdades que ferem a qualidade desta democracia e que os cidadãos contestam.

São muitas reformas por fazer, em especial uma grande reforma: a das atitudes, em primeiro lugar dos políticos e governantes, para que percebam que têm que colocar os interesses da nação e dos cidadãos em primeiro lugar em vez dos seus, e de modo a sentirem que o seu papel não é mais do que o cumprimento de uma missão - servir. Mas também a reforma das atitudes dos cidadãos, para que sejam mais atentos, ativos, participativos, intervenientes. Para que não se demitam de todas as suas responsabilidades cívicas, para que fiscalizem e exijam dos políticos e governantes o que é de se lhes exigir. Só com essa corresponsabilização se alcançará uma democracia madura, séria e com um nível de qualidade que hoje deixa a desejar.

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