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terça-feira, junho 19, 2012

PPR público: um caso de degradação na confiança pública do Estado

Em 2009 paguei o que restava do meu empréstimo à habitação. Sem dívidas e com alguma liquidez propus-me investir num Plano Poupança-Reforma (PPR). A situação da Segurança Social, com a redução do nível de pensões e a evolução previsível do modelo Defined-Benefit para Defined-Contribution, a juntar à evolução da demografia e aos incentivos fiscais àquele tipo de produtos ajudaram à decisão final.

Como relativamente ao risco, o Estado me merecia mais confiança do que o setor privado, não equacionei sequer a adesão aos PPR comercializados por bancos e seguradoras, e aderi ao Regime Público de Capitalização – Certificados Públicos de Reforma, o chamado PPR do Estado, gerido pelo Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, IP. Na opção privilegiei o menor risco expectável (Estado) à maior rendibilidade expectável (Bancos e Seguradoras).

Aquando da subscrição, li a legislação que regulamentava o PPR do Estado e logo ali intui das desvantagens do regime público face ao privado, designadamente as condições leoninas que impossibilitam o resgate do dinheiro antes da idade de reforma, mesmo devolvendo os benefícios fiscais e sofrendo penalizações. Mas, apesar de tudo, isso era contrabalançado pelo facto de aquele dinheiro ser impenhorável, e sobretudo pelo aval seguro do Estado. Quanto à garantia de capital, e face a uma redação da lei que me parecia ambígua, questionei a Segurança Social se o capital estava garantido e foi-me dito que sim, tendo-me sido sublinhado o caráter público do fundo como garantia de boa-fé e solidez.
Aderi na modalidade máxima permitida, ou seja, com uma taxa contributiva correspondente a 4% do meu vencimento mensal bruto. Porém, em 2011, face à redução salarial que tive, exatamente por trabalhar para o Estado, efetuei a alteração da base de incidência mensal, e tive curiosidade em verificar a rendibilidade do dinheiro que confiei à Segurança Social. Comparei o valor que me foi sacado, com o valor da minha posição no fundo, constatando, para meu espanto, um saldo negativo. Cancelei de imediato a adesão e iniciei um périplo de reclamações junto do Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, IP, da Inspeção-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, e da Provedoria de Justiça, o qual parece ter agora chegado ao fim, com explicações redutoras, estribadas de forma estrita na letra de uma lei pouco clara, senão mesmo capciosa, e sem explicações cabais para o essencial do que estava em causa: a diferença de regimes entre público e privado. O Estado agrupa-se e defende em bloco.

A par do PPR do Estado, existem no mercado, só no ramo Vida, mais de 70 produtos com a mesma finalidade, constituir uma poupança a utilizar na velhice, em que todos garantem o capital e a esmagadora maioria garante a rendibilidade. Naqueles em que existem valores apurados a rendibilidade efetiva em 2010 só não é positiva num caso e na média dos últimos três é sempre positiva.

Assim, o PPR do Estado parece ter sido o único produto existente no mercado, pelo menos por comparação com os do ramo Vida, que não garante o capital e o único com uma rendibilidade negativa, pelo menos para o período em que aderi.

Além do mais, na legislação que regulamenta os planos de poupança-reforma comercializados por privados – banca, seguros, etc. – é assegurada a transparência da informação prestada ao consumidor/cliente quer no que respeita à garantia do capital, quer no que respeita à rendibilidade, bem como a possibilidade de reembolso antecipado e de transferência entre fundos, coisa que não acontece no PPR do Estado.

Há, assim, um enquadramento legislativo e normativo dos PPR privados que assegura a informação clara do risco do capital e da rendibilidade, e garante a flexibilidade no reembolso antecipado e a transferência entre fundos, e uma legislação que regulamenta o PPR público, em que a informação do risco de perda do capital investido não é clara, em que não há lugar a reembolso antecipado, nem à transferência para outros fundos com idêntica finalidade. Em conclusão, se tivesse aderido a um PPR privado conservador não teria tido perdas porque o Estado o não permite, como aderi ao PPR público tive perdas, porque ao Estado tudo lhe é permitido. E, pior, o dinheiro está cativo na posse do Estado até à reforma, sem que o possa reaver, mesmo com perdas, comissões de transferência ou devolução dos benefícios fiscais obtidos. E assim se anula a premissa que me levou a optar pelo Estado em detrimento dos privados. E assim se destrói a confiança que (ainda) tinha no Estado.

Este episódio pode parecer singelo mas parece-me profundamente danoso para a confiança pública nas instituições do Estado, no Estado de Direito e na própria Democracia. A sensação com que fiquei foi a de, numa área sensível e muito delicada, a poupança para a velhice, estar inteiramente à mercê da ação discricionária do Estado, o que como se sabe não é característico de regimes democráticos mas de outros regimes…

Confesso que me interrogo: este fundo é recente, teve uma adesão limitada e os montantes individuais lá colocados serão certamente em média pouco significativos. Imaginemos, porém, que o mesmo era antigo, de adesão generalizada e que os montantes individuais eram muito significativos. E que no último terço da vida, em situação de maior fragilidade, os aderentes, depois de décadas de trabalho e de poupanças amealhadas e confiadas ao Estado para suportar a velhice, registavam perdas no capital depositado ou rendibilidades muito baixas? Que problema teria o Estado criado? É bom que se saiba que este não é um cenário hipotético, mas real. 

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