As sociedades mais desenvolvidas vivem num quadro de mudança de valores para além dos tradicionais valores materiais, começando os gestores a tomar consciência de que as empresas são agentes sociais activos pelo que têm de ter em conta, ao longo da sua actividade, os diversos factores e necessidades que a sociedade lhes solicita (Carrasco, 2007).
Neste sentido e de acordo com Santos (2008), as frequentes mudanças no meio envolvente das organizações obrigam os gestores, numa perspectiva sustentável de actuação, a assumir um posicionamento dinâmico que requer, constantemente e cada vez mais, uma alteração nos seus posicionamentos e nas suas acções.
No entanto e segundo Vasconcellos e Sá (2002), o dilema da gestão reside na dupla necessidade dos gestores assumirem dois papéis em simultâneo: o de gestor para cuidar da empresa do presente, o dia-a-dia, e o de empresário para criar e desenvolver a empresa do futuro.
Todas as organizações empresariais têm de definir de forma precisa, por razões de natureza estratégica e operacional, três aspectos essenciais para a sua gestão: a Visão, que traduz o seu entendimento do negócio, a forma como pretendem estruturar a sua actividade e os fins que pretendem alcançar; a Missão, que sintetiza os objectivos da organização e aquilo que se comprometem realizar; e os Valores, consubstanciados nos princípios éticos, deontológicos e empresariais pela qual se rege a sua actuação tendo em atenção todas as partes envolvidas e interessadas na sua actividade.
Este último aspecto deve representar, no seu todo, a cultura empresarial viva e actuante das organizações, a qual deve incorporar princípios de responsabilidade social abrangentes a todos os agentes interessados, dos colaboradores e accionistas aos clientes e fornecedores, das associações empresariais aos grupos ambientalistas, das instituições governamentais às organizações não-governamentais.
De acordo com o Green Paper da Comissão Europeia “Promoting an European Framework for Corporate Social Responsability” (2001), a responsabilidade social corporativa deve integrar voluntariamente preocupações de natureza social e ambiental no desenvolvimento dos negócios e das operações, indo para além da verificação de conformidades e do mero cumprimento de obrigações legais, investindo cada vez mais no capital humano, no ambiente e nas relações que se estabelecem com os diversos stakeholders.
Uma cultura empresarial forte e vincada, movida por princípios éticos, morais e empresariais concretos e praticados, imbuídos de reais preocupações de natureza social e ambiental, contribui para reforçar as relações internas entre os colaboradores e a construção de um espírito de equipa indispensável ao sucesso pretendido.
Por outro lado, a existência real destes princípios constitui um passo importante para reforçar a interacção da organização com a comunidade envolvente, permitindo-lhe obter por parte desta o respeito e o reconhecimento da sua actuação, a qual deve ser pautada por princípios solidários e de generosidade, permitindo ganhos de notoriedade e o consequente fortalecimento da sua imagem institucional, das suas marcas e dos seus produtos e serviços.
As empresas podem (e devem) intervir de forma activa na sociedade através do desenvolvimento das mais variadas acções, desde o apoio financeiro aos mais carenciados até ao mecenato cultural, do patrocínio de instituições de solidariedade social até ao apoio material de actividades culturais, recreativas e desportivas, da promoção de acções de formação e sensibilização sobre questões ambientais até ao investimento em meios e tecnologias tendentes à redução do impacto poluidor da sua própria actividade.
No contexto interno das organizações e atenta a realidade das sociedades modernas, as empresas e os seus gestores devem (e têm) de olhar para as condições sociais que proporcionam aos seus colaboradores numa dupla perspectiva: no respeito pelos valores sociais e ainda no impacto que as medidas tomadas induzem na proactividade e no rendimento individual e colectivo.
Entre outras, destacam-se o papel da mulher no cenário de desenvolvimento empresarial e o enquadramento da sua actividade profissional com as responsabilidades e necessidades de natureza familiar e materna, a flexibilização e limitação dos horários de trabalho atentas as tarefas e responsabilidades extra-profissionais dos colaboradores e o estabelecimento de um equilíbrio saudável entre a actividade profissional e a vida particular e familiar, a disponibilização de condições complementares ao exercício das actividades profissionais (refeitórios, meios de transporte, programas de assistência médica pessoal e familiar, incentivos ao desenvolvimento educacional e formativo) e a existência de boas condições físicas de trabalho (instalações) ao nível ambiental, ergonómico e de higiene e segurança.
Em Portugal, existem casos conhecidos, estudados e amplamente divulgados, de empresas que põem em prática alguns dos princípios aqui enunciados. E esta realidade não está condicionada à dimensão uma vez que encontramos implementados estes princípios não só no seio de grandes empresas mas também entre PME´s e empresas familiares.
No entanto, no actual contexto económico recessivo vivido quer em Portugal quer um pouco por toda a Europa, o qual afecta os mercados e as empresas, assiste-se cada vez mais ao detrimento das responsabilidades empresariais de índole social em prol das questões de natureza eminentemente económica e financeira.
Constitui um marco visível desta acentuada desresponsabilização social o aumento acentuado do nível de desemprego em Portugal, com forte incidência no grupo dos jovens sem emprego ou à procura da primeira oportunidade de trabalho e ainda no grupo constituído por cidadãos de meia-idade, com experiência consumada no mercado laboral mas que pelas mais diversas razões e justificações se vêem “empurrados”, não poucas vezes de modo dificilmente justificável, para uma situação de desemprego involuntária.
E se algumas empresas investiram em estratégias suportadas numa forte vertente social, contribuindo desta forma para uma maior motivação, reconhecimento e produtividade dos seus colaboradores, verifica-se agora em muitos casos uma inflexão nestes propósitos empresariais, substituindo a lógica de investimento no capital humano de longo prazo pela perspectiva imediata de resolução de questões de curto prazo, retirando sem justificação plausível muitas das condições criadas segundo um espirito inovador e empreendedor, de visão de futuro e de dimensão humana.
Esta visão humanista tem vindo a ser substituída pelo domínio da vertente financeira, entendida esta como o único factor de sobrevivência.
Esta postura leva a colocar algumas questões, porventura consideradas “politicamente incorrectas”, relativamente às opções e decisões tomadas pelos gestores sobre as questões da responsabilidade social e o seu real fundamento.
Será que as políticas de responsabilização social divulgadas por muitas empresas não são mais do que o resultado de um mero expediente tendente simplesmente ao reconhecimento externo das organizações e à criação de uma imagem favorável junto dos stakeholders?
Do mesmo modo, a criação de condições mais favoráveis a nível interno junto dos colaboradores não resulta, em muitos casos, da necessidade única de dar resposta às pressões exercidas pelas diversas entidades representantes dos colaboradores (sindicatos, ordens, associações profissionais) e da simples satisfação das suas reivindicações e interesses?
As acções externas em prol da comunidade envolvente, por vezes assumidas sob a forma de mecenato, não são por vezes motivadas pela simples necessidade de reduzir o conjunto de proveitos gerados com a actividade, procurando aliar a uma imagem de solidariedade e preocupação comunitária a capacidade de induzir “custos” dedutíveis em sede fiscal?
A redução recente e acentuada da força laboral, consubstanciada no aumento das práticas da cessação de contractos de trabalho e algumas vezes no despedimento colectivo, não são muitas vezes consequência (quase) exclusiva duma insuficiente capacidade de gestão para projectar cenários de crescimento futuro da sua actividade e para estabelecer estratégias corporativas sustentáveis no longo prazo, emergindo estas limitações e insuficiências no actual quadro recessivo e de forte contracção dos mercados?
Estamos certos que não existem respostas padrão para estas questões, encontrando-se no mundo empresarial exemplos que comprovam uma e outra das tendências que aqui apresentámos.
O que importa é que o esforço, o empenho e a dedicação das empresas aos aspectos relacionados com a responsabilidade social não seja apenas um fenómeno de projecção mediática e reforço da imagem institucional mas vá muito para além disso, tocando nos verdadeiros aspectos da ética empresarial: o cumprimento das normas, a seriedade na acção e o humanismo nas relações.
Autores: Mário de Jesus e João Rocha Santos
Referências:
Carrasco, I. (2007) Corporate Social Responsibility, Values, and Cooperation, International Advances in Economic Research, 13, 4, 454-460.
Comissão Europeia (2001), GREEN PAPER - Promoting a European framework for Corporate Social Responsibility [Online], Commission of the European Communities, Disponível através do site: http://eur-lex.europa.eu/.
Santos, A. J. R. (2008) Gestão Estratégica – Conceitos, modelos e instrumentos, Lisboa, Editorial Verbo.
Vasconcellos e Sá, J. A. (2002) A Empresa Negligenciada, Lisboa, Editorial Verbo.
(NOTA: Artigo publicado nos "Cadernos de Economia", Vol.XXV, Janeiro/Março 2012, p.68-71)
Sem comentários:
Enviar um comentário