A resposta mais sólida que encontrei para o que mudou nas semanas que antecederam o corte do subsídio de Natal para 2011 e o corte dos subsídios de Natal e de férias para 2012 foi a de que há o compromisso de a consolidação ser efectuada 2/3 do lado da despesa e 1/3 do lado da receita, sendo que salários e pensões são efectivamente despesa do Estado.
Esta resposta é defensável. Não carecia, aliás, das explicações adicionais, designadamente:
- A da média salarial na Administração Pública ser 15% superior ao privado;
- O corte nos salários e nas pensões ajudar ao défice e o dos privados não;
- Os trabalhadores da Administração Pública terem uma maior segurança no emprego, sendo a alternativa a isto a dispensa entre 50 e 100 mil funcionários.
Todas elas são argumentativamente frágeis, falaciosas, discutíveis.
A primeira carece em absoluto de demonstração. Que estudo a sustenta? Fiz uma pesquisa à PORDATA e cheguei a conclusões substancialmente diferentes, quase sempre em desfavor da Administração Pública, quer falássemos de média global, quer da média específica de quadros superiores ou de quadros intermédios. Aliás, duvido mesmo que exista um estudo actualizado e sério sobre isso que considere todas as variáveis. Ou seja, o salário-base, as remunerações adicionais e outros benefícios, tais como automóvel, seguro de saúde, pagamentos e apoios à educação e à formação, taxas de juro mais baixas para a compra de habitação própria, cartões de crédito, e toda uma miríade de vantagens de que algum sector privado beneficia.
A segunda é capciosa porque isso resolvia-se, aliás, como se resolveu com o corte do subsídio de Natal deste ano, ou seja, através de uma sobretaxa especial sobre os salários do sector privado.
A terceira – e apesar de existir o sistema de mobilidade especial onde estão algumas centenas de trabalhadores e de ser frequente a dispensa na Administração Pública de trabalhadores com vínculos precários – ainda é globalmente verdadeira, mas está (estará), porventura, a caminho de deixar de o ser. Há, porém, mesmo aqui, um aspecto que importa considerar. É que os encargos com o desemprego, e existem cerca de 600.00 desempregados, são encargos do Estado. Ou seja, as empresas quando despedem libertam-se dos encargos de quem despedem, que são assumidos pelo Estado. Mas o Estado quando despede, ou se despedir, assume integralmente esse encargo, apenas o mudando de rubrica orçamental. Esse custo adicional que o Estado tem se despedir não é, pois, negligenciável. Aliás, mesmo deixando de lado a imensa tragédia social e pessoal que despedimentos em massa no Estado implicariam, tenho dúvidas sobre as vantagens económicas dessa opção! Basta olhar para a média etária dos trabalhadores do Estado para se perceber que, em menos de uma década, com um adequado controle de admissões, teremos uma administração bastante mais enxuta. Valeria a pena, isso sim, fazer a reforma do Estado e flexibilizar a mobilidade de pessoal entre organismos e funções, deixando que o ajustamento do efectivo se fizesse sem dor.
Esta é, porém, a parte técnica da questão, ou seja, o equilíbrio puro e simples das contas públicas, de preferência até ao valor zero, idealmente mesmo até ao superavit para assegurar alguma redução da dívida pública. Só que os Governos, ao contrário das empresas, são entidades políticas que tomam decisões económicas. Ou, dito de outro modo, as decisões económicas dos Governos são eminentemente políticas. E algo absolutamente vital nesta equação entre economia e política é a coesão social. E essa, com esta medida, foi quebrada. Pode admitir-se a quebra do contrato social estabelecido com os trabalhadores do sector público e com os pensionistas com base no princípio da necessidade, alegando o interesse nacional e invocando constitucionalmente o estado de emergência ou outra qualquer figura jurídica. Não faltarão constitucionalistas e juristas para enquadrar adequadamente a questão. Se o Estado não tem dinheiro e as rubricas dos salários e das pensões são das mais importantes do orçamento, por muito que isso custe, é aceitável que elas possam ser reduzidas, apesar do contrato social existente, porque há razões gerais, de interesse nacional, que derrogam as particulares. Isto, porém, deveria necessariamente ser enquadrado do ponto de vista jurídico-constitucional, sob pena de postergarmos o Estado de Direito, alicerce essencial da nossa vida colectiva, recuando a uma sociedade sem lei. E dever-se-ia ainda, até ao limite, manter a coesão social, criando uma medida simétrica no que respeita aos rendimentos do trabalho no sector privado.
O enquadramento jurídico, a explicação lisa e cabal e a universalidade desta medida deveriam ter sido asseguradas.
(continua)
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