Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

sábado, agosto 27, 2011

CTT - Privatizar ou não?!

Deixei por esquecimento dois objectos de uso corrente pouco volumosos e pouco pesados numa casa de férias. Os dois objectos custam 11 ou 12€. Foram-me reenviados por encomenda postal, via CTT, com um custo de 4,75€, a que acresceu um pacote almofadado por, creio, 0,80€. Ou seja, o transporte e a embalagem de dois objectos custaram o preço de um deles.

Fui levantar a encomenda à minha estação de correios que fica a mais de 250m de minha casa! Tinha uma estação a 50 metros que foi há meses encerrada. A estação a que actualmente pertenço tem invariavelmente filas e uma significativa demora. Ao ponto de ter passado a enviar as encomendas que recebo por via postal para a morada de um familiar próximo que está quase sempre em casa.

As estações de correio hoje, além de produtos postais próprios e alheios, também vendem livros, telemóveis e outros objectos, e até lotaria. Não diria que são bricabraques ou lojas chinesas mas já estiveram mais longe disso. Pior, o pessoal que lá trabalha chega-nos a oferecer produtos que não pedimos! Já me ofereceram lotaria!? O atendimento deixou de ser pessoal. Passou a ser o produto de uma linha de montagem de pseudo-comportamentos estandardizados tidos por adequados. Ser atendido por um ou ser atendido por outro é literalmente igual.

Por último, o serviço de entrega é cada vez pior. O carteiro de anos acabou. Hoje não há sequer carteiros, há sim trabalhadores dos CTT ou subcontratados que mudam com enorme frequência e distribuem correspondência a um ritmo vertiginoso. A letra dos avisos é cada vez pior. A correspondência entregue nos endereços indevidos idem. Profissionalmente, a experiência que tenho também não é boa. Mas fiquemo-nos pela pessoal.

Tudo isto para dizer que, com este cenário, e como cidadão e utente, é-me indiferente que os CTT sejam ou não privatizados. Simplesmente porque já não reconheço os CTT como um serviço do Estado. É, sim, um serviço público prestado por uma empresa, igual às outras, mas que por acaso é propriedade do Estado.

Os CTT, tal como outras empresas públicas e infelizmente até já muitos organismos do Estado, não são hoje verdadeiramente serviços públicos. São serviços prestados ao público pelo Estado, o que é coisa diferente. O Estado elegeu o modelo de gestão empresarial, puro e duro, visando o lucro, como sendo bom também para si. Nas suas práticas, passou apenas a tentar copiar as empresas, não percebendo que são coisas diferentes. Esse comportamento encerra, em si mesmo, o gérmen do seu próprio fim.

Foto

4 comentários:

Mário de Jesus disse...

Caro Paulo

Gostaria de referir que até há bem pouco tempo, admitindo ainda que alguma desta qualidade se mantenha, os serviços dos nossos CTT eram dos melhores do Mundo!

Não será de admirar à semelhança de outras actividades que temos por cá. Em qualidade, fiabilidade, profissionalismo, modernidade e rapidez. Os CTT desenvolvem aliás várias parcerias internacionais onde trabalham com outros parceiros na coordenação e implementação de modelos de gestão logística e distribuição, semelhantes aos que por cá são desenvolvidos.

Num benckmarking internacional, os nossos CTT têm estado no topo.

Posto isto, há que cuidar muito bem de qualquer modelo ou forma de privatização se essa afectar a qualidade que no passado recente foi reconhecida aos CTT.

E acima de tudo avaliar ainda melhor as razões e o porquê de uma possivel privatização. Em especial em termos do custo e da qualidade do serviço ao cliente.

Paulo J. S. Barata disse...

Caro Mário
Tal como referes, ainda me lembro de, em inquéritos de opinião, os CTT serem o serviço em quem os portugueses mais confiavam e de, por referência a outros serviços postais, serem apontados como dos melhores. A esse nível, sinceramente, não sei como está a situação agora, apenas me referi aquilo que conheço pessoalmente. E nem sequer foi tudo. Tive menos boas experiências com a provedoria dos CTT, com a célebre via CTT, com correio extraviado (revistas que assino que se extraviam várias vezes no ano), etc., etc. Profissionalmente, na experiência directa que tenho, tb noto uma perda de qualidade. E, mais do que isso, sobretudo não distingo as práticas dos CTT das de uma qualquer empresa privada visando de forma estrita o lucro, sempre mais e mais. Os sinais estão aí para quem os queira ver. Hoje mesmo vi numa reportagem televisiva que fechou a estação dos CTT de uma localidade de nome Couço, cuja mais próxima fica em Coruche, a 25Km de distância! A população queixava-se pois para levantar os vales das pensões, uma carta de condução, o que fosse, tem agora de fazer 50Km.
Bastaria este exemplo para, se aquilo fosse verdadeiramente público, o ministro da tutela mandar imeadiatamente reabrir a estação. Ou encontrar uma solução de compromisso entre rentabilidade e serviço público: com menos funcionários, a meio tempo, alguns dias por semana. Qualquer coisa! Mas mandar as pessoas fazer 50Km para expedir uma carta ou receber uma encomenda, não!

Mário de Jesus disse...

Caro Paulo

Também vi essa notícia e até conheço bem essa localidade pois fica a meio caminho da minha terra Natal.

Concordando naturalmente com o que afirmas tenho que acrescentar que os serviços postais não podem nem devem apenas ser vistos como uma simples actividade económica pois para mim têm que ser mais do que isso. São para além disso uma actividade concreta de serviço público pois em qualquer país do mundo começam por ser sempre uma actividade garantida pelo Estado aos cidadãos. Só depois disso e atendendo aos seus aspectos peculiares, poderá efectivamente ser tratada também como uma actividade económica lucrativa e até privatizavel.

Porém e ainda que possa ser gerida sob o prisma privado, tem que ser tratada em primeiro lugar como um serviço público, em especial se for desenvolvida numa óptica monopolista, i.e. se mais nenhuma entidade a desenvolver.

Agora num caso ou noutro, têm os cidadãos o direito de exigir a melhor qualidade pelo serviço que pagam pois também num caso ou noutro esta é paga por todos nós.

Paulo J. S. Barata disse...

Caro Mário
Subscrevo em absoluto o que dizes. A questão é que os serviços postais prestados pelos CTT são hoje, a meu ver, uma mera actividade económica. Quando aquilo for privatizado, estou plenamente convencido de que não vamos notar nada, o que só prova aquilo que digo.
Lateralmente e alargando a coisa: o outro dia tive a minha primeira multa de trânsito em mais de 20 anos efectuada pela EMEL. Poupo-te os pormenores, mas no mesmo dia ao final da tarde apanhei um polícia de trânsito aqui na rua e após discutirmos o motivo da multa diz-me ele: «Sabe, no meu tempo, ensinavam-nos que a prevenção era o essencial; hoje há metas para atingir em termos de n.º de coimas»?! E com isto está tudo dito: a lógica é que tudo deve dar lucro, portanto, porventura, quanto mais multas a polícia passar, mais bem gerido é o serviço, mais «sustentável»... Esta lógica, insidiosa e perversa, de forma mais larvar ou mais expressa, está um pouco por toda a parte dentro do Estado...