Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

domingo, junho 01, 2008

Sinais contraditórios e crispação social


Vivemos em Portugal e no Mundo tempos conturbados. Por cá assiste-se a um clima de crispação onde, ao mesmo tempo, lemos sinais contraditórios da vida social e da economia.

Nós por cá, pelo FRES, sempre nos ocupámos de assuntos de natureza social ou sócio-económica. Sobre estes temas temos efectuado alguns diagnósticos, descortinado problemas e apresentado soluções. Mais do que nunca a nossa intervenção é necessária e exigível.

Vivemos em Portugal um clima de crispação social. São as greves dos professores, dos profissionais de saúde, dos pescadores e armadores, a revolta daqueles que preferem deitar fora o que colhem e o que pescam, do que permitir a sua distribuição.

São as críticas ao governo quer pelo esforço no cumprimento do déficit orçamental (que nos obriga ao aperto do cinto) quer da subida dos preços dos bens alimentares e dos combustíveis. Os portugueses vivem de novo desiludidos, não tanto, acredito, pelo efeito da crise (ainda que não profunda) mas pelo seu prolongamento – já vivemos num clima destes deste o ano 2000. Daí para cá tem sido sempre a piorar. Pelo menos para a classe média e média baixa, para não falar já dos mais desfavorecidos.

Infelizmente a crise financeira internacional oriunda dos EUA veio atingir-nos no momento em que tudo apontava que estávamos a dar a volta após a economia “ter batido no fundo” - na linguagem comum entre economistas.

Ao mesmo tempo é o desencanto na educação e na saúde, temas que nos são particularmente próximos aqui pelo FRES.

Porém assistimos de igual forma a sinais contraditórios. Se é um facto que o crescimento económico desacelera, não é menos verdade que assistimos a um fosso maior entre os mais ricos e mais desfavorecidos. As diferenças entre as remunerações dos quadros de topo das empresas e os seus colaboradores regista a maior diferença em Portugal face aos países europeus.

Por outro lado a diferença entre os rendimentos dos 20% mais abastados e dos 20% mais desfavorecidos alarga-se cada vez mais e é igualmente mais assinalável em Portugal.

E o desemprego mantém-se teimosamente fixo, alto inelástico. Muito dele de longo prazo ou não fossem as características sócio demográficas dos que ficam desempregados após o definhamento de alguma indústria.

Se é verdade que os comerciantes se queixam das quebras consecutivas da procura, seja qual for o produto ou serviço corrente em que nos focalizemos, em especial produtos de consumo corrente ou de compra ocasional, entre os quais encontramos os restaurantes e similares de baixa ou média qualidade com quebras visíveis e assinaláveis da sua clientela, assistimos por outro lado a enchentes em especial ao fim de semana nos melhores e mais caros restaurantes da capital e das principais cidades.

Experimente o leitor destes pensamentos encomendar um automóvel de gama alta ou média alta para perceber o tempo de espera a que terá que ficar sujeito. Observe as marcas e as gamas dos veículos que circulam pelas cidades. E quais são as marcas que maior crescimento registam nas vendas em unidades. Apesar do preço dos combustíveis algum de vós encontra menores filas no trânsito? Deixámos de usar a viatura em termos individuais? O trânsito nas pontes e portagens diminuiu? As viagens de férias para o nordeste brasileiro bateram recordes consecutivos nos últimos anos.

Já assistimos ao encerramento das lojas de roupa ou artigos acessórios das marcas de topo e de gama alta? Pois não.

Por isso das duas uma, ou de facto fazemos jus ao título: crises? What crisis?” e então temos aqui a prova do cada vez maior fosso entre ricos e pobres e de disparidade social ou então vinga o fenómeno do endividamento: pedir emprestado, gastar, gastar e pagar logo se verá.

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro Mário,

Podemos tentar analisar a economia nacional sobre vários pontos de vista. Um deles é através do exemplo deste artigo, a análise dos extremos, "a discrepância entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres".

No entanto, mesmo que utopicamente fosse corrigida essa discrepância é essencial ter presente que a média dos salários nacionais é inferior a 800 Euros mensais. E este dado, devidamente comparado, é suficiente para afirmar que o problema é bem mais profundo do que a questão de equidade.

A divisão de pouco por muitos, mesmo que equitativa, dá pouco!

É muito importante concentrar esforços em gerar mais riqueza, porque mesmo que mal dividida dá mais. É essencial aplicar as energias de revolta contra a situação, na preocupação de gerar riqueza! Será no entanto essencial que existam os meios da sua distribuição e esta siga critérios justos para que se justifique o empenho daqueles que o merecem.

De tantas sucessivas tentativas em tornar o sistema mais equitativo, resultou apenas o que referes e pouca riqueza para dividir e a manutenção da distribuição salarial. Sugiro mudar a orientação: concentrar esforços a facilitar/construir fontes/meios de gerar riqueza.

Regra geral a forma encontrada para corrigir os desequilíbrios que justificadamente anuncias é aumentar impostos sobre rendimentos declarados e portanto resultantes de trabalho honesto. Ora sucede que actualmente o salário líquido/útil, deduzido de todos os impostos e SS, no caso dos afectados pelos maiores escalões de IRS já é inferior a 25% da sua produção. E não me parece que isso seja razoável, nem interessante para aqueles que com mérito, se esforçam honestamente.

Nuno Maia

Mário de Jesus disse...

Caro Nuno

Aprecio bastante o teu comentário e raciocínio. É de facto de extrema relevância a questão do salário médio e minimo em Portugal (ambos serão de facto minimos).

Bem vista é igualmente a questão da divisão de poucos rendimentos por muitos. Solução: será de facto aumentar a produção e riqueza para mais se distribuir pelos mesmos.

E o ponto é exactamente esse: quando os rendimentos são poucos, pouco ou nada há a distribuir. Porém assistimos em Portugal a uma distribuição que é tudo menos equitativa. OK. Podemos sempre dizer que nunca o é. Mas no nosso caso lusitano, o fosso das diferenças sociais e da distribuição da riqueza é maior em Portugal do que nos restantes paises parceiros,logo, este também um factor de déficit de competitividade porque quem pouco tem pouco ou nada investe ou consome.

Quanto à questão fiscal, penso que no estado da situação actual isto não irá lá tanto com medidas de impacto fiscal ou acréscimos de tributação dos escalões mais elevados( pois estes já sofrem uma tributação elevada - pelo menos os que sériamente declaram o que ganham) mas antes com maior equidade, expressa pela redução das enormes disparidades verificadas no nosso país.

Temos vários exemplos conhecidos. Nalguns sectores, assistimos aos salários e restantes regalias de titulares de orgãos públicos ou de instituições privadas em alguns sectores estratégicos, que estão muito acima de outros países mito mais ricos que o nosso.

Otavio Rebelo disse...

Caros Colegas Mário Jesus e Nuno Maia,

Tenho andado, como referi há dias em formação pós-laboral e só agora consegui reler e com a devida atenção os vossos comentários. Como sempre, demonstram grande clarividência e oportunidade. Perante os factos apenas resta continuarmos a procurar soluções para aumentarmos a riqueza produzida em termos nacionais que apesar de ser mal distribuída, terá sempre mais para dar aos mais desfavorecidos. Quanto ao facto de haver alguma crispação social ela torna-se mais provável quando os que pouco têm ficam em risco de nada ter. A nossa geração luta contra muitas dificuldades mas não viveu o flagelo da fome como muitos da geraçaão dos nossos pais e avós. Quanto às gerações que se seguem, não tenho tantas certezas. Parece-me contudo que a capacidade de sacrifício das novas gerações já não é a mesma. Espero bem estar a subestimá-los. Um dos primeiros reflexos da falta de emprego e de dinheiro é aumento do número de assaltos. Desde assaltos a marcos de correio para roubo de cheques até ao assalto a postos de combustiveis, multibancos e bancos, passando pelo assalto directo às pessoas na rua e transportes públicos, temos assistido um pouco de tudo. A segurança de pessoas e bens é outra questão importante a abordar. Às vezes temo que não seja só na má distribuição da riqueza que estamos a copiar o Brasil. Também no aumento de assaltos e necessidade de maior segurança privada, parece estarmos a querer copiá-los.