Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

domingo, maio 18, 2008

As razões da Fome




Josette Sheeran directora do Programa Alimentar Mundial referiu –se recentemente ao crescente aumento dos preços dos produtos alimentares como um “tsunami silencioso” e emite um pedido de ajuda internacional, afirmando que “milhões de pessoas que há seis meses não estavam numa situação de necessidade urgente fazem agora parte deste grupo”.

Também as Nações Unidas respondem à dramática escalada do preço dos produtos alimentares no seu Comunicado de Imprensa, “A unified United Nations response to the global food price challenge” o qual pode ser lido em:

http://www.fao.org/fileadmin/user_upload/foodclimate/documents/CEBunified290408.pdf

As principais razões para o aumento do preço dos produtos alimentares e da situação de crise e emergência generalizada de fome, resultam dos seguintes factores:

- Aumento da população mundial (são cerca de 75 milhões de novas pessoas por ano) ao que se adiciona o crescimento económico e a melhoria do nível de vida principalmente na Índia e na China, resultando no aumento da procura de cereais e outros alimentos;

- O aumento do preço dos produtos petrolíferos que tem pressionado a inflação na zona euro e que só por si encarece o preço de todas as produções agrícolas;

- Três factores agregados, o elevado preço dos combustíveis fósseis, a tentativa de reduzir a dependência do petróleo importado e a exigência de resolver os problemas ambientais, originam a rápida expansão dos biocombustíveis, os quais, sendo produzidos essencialmente de milho e açúcar, matérias-primas utilizadas outrora essencialmente na alimentação, viram a sua procura aumentar para um novo fim;

- A crise financeira internacional, despoletada pelo crédito subprime nos EUA, com a inerente falta de confiança dos investidores nos mercados accionistas e a pressão descendente das suas cotações em bolsa, que provocou o despertar da apetência dos especuladores financeiros para o sector (mercado de futuros) das commodities agrícolas sobrevalorizando o preço dos produtos alimentares;

- As restrições às exportações impostas pelos países exportadores de produtos agrícolas (como forma de assegurar a procura interna), muito embora se assistam a colheitas recorde nomeadamente de arroz, o que contribui para manter os preços em alta.

Nos anos 80 e 90 a UE introduziu reformas no âmbito da PAC (Política Agrícola Comum) destinadas a tentar limitar a produção de produtos excedentários nomeadamente a introdução de quotas de produção, limitação da superfície de cultivo/número de animais para os quais os agricultores obtêm ainda hoje subsídios. Estas reformas visaram uma PAC orientada para a procura (já que o aparecimento de excedentes teria como consequência a perda de posição a nível comunitário e mundial) e para a atribuição de subsídios à exportação (atribuição de uma compensação aos exportadores pela exportação de produtos a preços de mercado mundial, inferiores aos praticados na UE).

Estamos portanto face a um problema estrutural em que a politica proteccionista agrícola europeia limitou os países mais pobres na capacidade de virem a desenvolver o seu potencial agrícola, distorceu os preços dos produtos agrícolas e limitou a sua produção não estando em condições de satisfazer o aumento da procura mundial.

A comunidade mundial vai ter que responder a este “tsunami silencioso” da fome, esta emergência humanitária, a qual poderá provocar um outro “tsunami” de motins sociais, os quais podem vir a afectar o equilíbrio económico e social do mundo. Para o bem da humanidade que a resposta seja rápida.

7 comentários:

Otavio Rebelo disse...

Cara Colega,
Se alguém tivesse andado alheado do que se passou no mundo nos últimos 2 anos, ao ler este artigo ficaria de imediato com ideias claras e precisas. Parabéns pela forma e conteúdo deste artigo, que veio sistematizar brilhantemente muito do que se tem dito e escrito. Fica assim completa uma das tarefas do FRES, analisar com clareza e realismo, a realidade que nos rodeia, para de seguida, procurarmos caminhos para melhorar essas realidades.

Mário de Jesus disse...

Estamos aqui perante um tema de extraordinária relevância, que nos deve tocar (e toca) a todos, o qual merece a nossa mais séria atenção, senão vejamos: todos estamos a ser vítimas deste fenómeno. Alguém já parou para pensar e refazer as contas ao aumento dos preços dos produtos alimentares básicos verificado nos últimos 6 meses? Só durante 2008 estes produtos alimentares básicos viram o seu preço aumentar em cerca de 39%! O que é fantasmagórico. Observemos a evolução de algums alimentos de um mês para outro. Agora imaginemos o impacto que isto tem nos pobres ou muito pobres bem como na ajuda alimentar mundial. Os países doadores estão-se a encolher. O resultado pode grassar numa instabilidade social grave em alguns pontos do globo. Estamos perante o fenómeno da sobrevivência e do mais básico direito do Homem ( o direito à alimentação e subsistência). Este pode ser o rastilho da instabilidade social entre os mais desfavorecidos. Parabéns Ceci pela oportunidade do tema.

Bjs

Anónimo disse...

Parabéns pela pertinência do tema. Vale a pena reflectir sobre os aspectos essenciais da subida desenfreada dos produtos alimentares que a todos afecta...

Anónimo disse...

Cara Cecília,

Faço minhas as palavras de elogio do colega Octávio e as de preocupação de todos!

Portugal, em particular, é um dos Países muito sensíveis a qualquer crise relacionada com os derivados do Petróleo.

Isto acontece-nos sempre que os mercados do Petróleo "abanam".

A forma que existe para isto terminar é reduzir-mos a dependência do mesmo.

A avaliar pela forma como temos reagido nas anteriores situações corremos o risco de vir a repetir estes comentários na próxima crise.

Nuno Maia

Mário de Jesus disse...

E sublinho com particular preocupação o facto de ainda hoje termos voltado a assistir ao aumento dos preços dos combustíveis por parte de uma das gasolineiras a operar no mercado nacional (no caso a Repsol). Esta escalada que me parece quase inconsequente é perigosa e agrava o problema não só dos portugueses e do seu poder de compra e nível de vida mas também a crise alimentar referida no artigo da Ceci.

Tanto é que o Ministro da Economia Manuel Pinho pediu já à Autoridade da Concorrência uma auditoria porque suspeitará de uma política concertada de aumento de preços em cartel, medida esta que teve já o apoio do Presidente da República Cavaco Silva.

Os cidadãos precisam de estar atentos...

Cecília Santos disse...

Agradeço os vossos amáveis comentários.

A propósito do tema, hoje estabeleceu-se um novo record para o preço do petróleo nos 135 USD/barril. E já estão a ser efectuados contratos de futuros a 8 anos com a fixação de preços a 150 USD/barril. Como vai evoluir o problema da crise alimentar com mais esta subida de preços e com as previsões a médio prazo?

Bjs

Anónimo disse...

Resumindo, a crise alimentar vai aumentar.

Contráriamente a outras situações passadas, desta vez, na consequência do disparo do aumento do valor do crude a crise alimentar sentir-se-á também nos Países desenvolvidos.

Todas as produções, distribuição, logística dependem do custo da energia, e à data actual isso quer dizer fundamentalmente petróleo (Ouro Negro).

É fácil prever que vai aumentar o custo de tudo!

Prever o resto é muito complicado...mas previsivelmente não é bom.

Nuno Maia