Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

terça-feira, maio 22, 2007

RIO-ME QUANDO NOS COMPARAM COM ESPANHA


Durante os tempos livres que lhes permitia o seu trabalho nos grupos empresariais em que trabalhavam, José Garcia e Miguel Silva começaram a modelar o seu projecto pessoal até que decidiram iniciá-lo comercialmente no Natal de 2002. A empresa faria o design e definição dos produtos, sendo que os processos que não aportavam valor, como a sua montagem, seriam subcontratados na China. Com esta ideia, um plano de negócios e 3.000 euros de capital social, os sócios dirigiram-se ao BBVA para conseguir os 600.000 euros necessários para fabricar. Segundo os sócios o projecto pareceu excelente ao banco tanto do ponto vista conceptual, mas o banco queria resultados e a empresa ainda nem tinha nascido!

Apesar deste factor desfavorável, deram com um director de um banco a quem despertaram curiosidade. Depois de muitas perguntas e jurar que o produto se vendia, conseguiram 300.000 euros só com aval pessoal. Depois foram a outro banco onde ocorreu o mesmo, mas chamou-lhes à atenção que o BBVA lhes tivesse dado o dinheiro e concederam à empresa os 300.000 restantes necessários. Hoje a empresa factura 60 milhões de euros e é líder no mercado, destronando a Sony e outros players.

Esta história publicada do sucesso da Blusens, é quase falada em português. Quase porque a empresa nasceu e está em Santiago de Compostela, onde se fala o galaico-português. Quase, porque nasceu no lado certo da fronteira. Naquele, onde se acredita nas empresas. Naquele onde o Estado Central, Governo Regional e Banca, convergem para apoiar as boas empresas e os bons projectos. Em Portugal, onde impera a arcaica retórica neo-liberal da separação financiamento e fomento empresarial, de dizer que a banca não deve apoiar o risco, esta história seria impossível. Não haveria nem BBVA nem Banesto para compor a história. E para apoiar com 600.000 euros de empréstimos – suportavam com aval pessoal de dois jovens – uma empresa nascente, que hoje emprega 90 pessoas numa das regiões mais pobres de Espanha.

Por cá, em vez de discutirmos estas matérias, se temos mecanismos financeiros eficazes (não temos), se o Estado gere bem o Capital de Risco (ou se pelo contrário o monopoliza), se temos uma política de exportações (há um ano que está para se extinguir o ICEP), se temos ou não QREN, aqui ao lado, o tal país que cresce mais de 3% ao ano, os milagres acontecem. Só que não são milagres. São resultado de uma aposta clara da Banca e do Estado nos empreendedores e nos empresários.

Assim, enquanto por cá se discutia as habilitações do Primeiro-Ministro, sobrava pouco tempo para discutir o importante. E o importante é saber que aqui ao lado o ICEX tem 300 milhões de euros para promover as exportações e nosso ICEP em-vias-de-extinção (?) terá ao que consta zero! O importante seria perceber como é possível que ainda não esteja feita a fusão API-ICEP? Como será possível continuar a desenhar e anunciar programas de apoio, quando o QREN não está fechado nem aberto. Como será possível fomentar o empreendedorismo e as PME, quando as práticas são hoje estatizantes, em áreas fulcrais como economia ou emprego? Como será possível algum desenvolvimento e afirmação regional, quando as decisões continuarem a ser tomadas pelos burocratas dos serviços centrais?

Por isso, não deixa de me espantar a força daqueles que como o Primeiro-Ministro, atacado pelas razões erradas, lançam uma importante reforma, a do ordenamento do território, dos PDMs, dos planos de pormenor, dos licenciamentos, passando a responsabilidade para os profissionais privados.

É que não deixa de ser paradoxal, que esta visão pragmática e do primado do individual e sua responsabilidade face ao monstro burocrático, venha hoje do Primeiro-Ministro e do Secretário de Estado da Justiça ou do Presidente da API, cujas iniciativas são todas pró-empresariais e pró-responsabilidade profissional em detrimento dos burocratas e do Centralismo burocrático que nos cerca.

Pena é que quem tem responsabilidades ao nível das políticas de fomento económico, não siga as práticas desestatizantes do Primeiro-Ministro, antes se deixando enredar pela máquina ou tendo a habitual veleidade de comandar a economia, com instrumentos geridos por entidades públicas sem qualquer eficácia.

Bastaria olhar para como se faz aqui ao lado, para se perceber como é com a liderança dos empresários e das empresas, que se obtêm resultados. Não da mão visível que ostenta publicidade que não pode cumprir.

Assim, poderíamos ter por cá exemplos como os do José Garcia e do Miguel Silva e da sua galega Blusens. Que se riem quando os comparam com a Inditex, esse colosso da vizinha Corunha, e que graças a Deus existe, pois alimenta boa parte do que sobre do Norte têxtil.
Pois eu rio-me, e não é de alegria, quando nos comparam com Espanha. Não temos piores líderes nem piores quadros. Então o que nos faltará?

Artigo publicado no Semanário Económico de 04 de Maio de 2007


Joaquim Rocha da Cunha

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente artigo Joaquim,

Entre outras coisas falta-nos uma cultura de empreendedorismo, ou seja , falta um ambiente facilitador ao empreendedorismo em Portugal, acima de tudo precisamos de acreditar em nós próprios.