Santana
Castilho *
Não
conseguiremos, sós, à revelia da Europa em que nos integramos, particularmente
sem cumplicidade política estabelecida com os países cujos problemas se
assemelham aos nossos, mudar a maior parte das variáveis que condicionam a
nossa vida futura. Mas podemos mudar a Educação. Se queremos mudar Portugal,
temos que dar atenção à Educação e alterar-lhe o rumo. Cada vez instruímos mais
(e em sentido errado) e educamos menos. Em nome de uma economia sem humanidade,
construímos autómatos e roubamos a infância às nossas crianças. Em período de
pré campanha, o que se vê (ou não se vê) é desolador.
1. A
acusação é grave e não pode passar sem que o ministro da Educação e Ciência se
pronuncie sobre a matéria. De forma clara e rápida. Um grupo de cidadãos, mães
e pais, afirmam em documento, que tornaram público, que uma organização, a Associação Junior Achievement Portugal,
sucursal de congénere norte-americana, anda a “doutrinar crianças desde o 1º
ano de escolaridade a … ver a família como unidade de consumo e produção,
naturalmente dependente de empresas privadas … inculcando a obsessão pelo
sucesso assente na lógica da competição”. Tudo se passa em tempo normal de
aulas, sob responsabilidade de voluntários estranhos às escolas mas com a
conivência das autoridades, designadamente autarquias locais, e sem qualquer
tipo de consulta aos pais e, muito menos, a sua autorização. No documento em
análise, os pais referem haver uma recomendação expressa para que os formadores
voluntários sejam recrutados no meio empresarial e as crianças se venham a
identificar “com a figura do voluntário no final da formação”. O programa,
afirmam, “está orientado de uma forma que, cremos, exerce uma violência
simbólica sobre crianças e adolescentes, escondendo por detrás de uma ou outra
informação ética superficial uma manipulação de consciências no sentido de
identificar o ser humano da sociedade contemporânea como exclusivamente
orientado para o mercado, o consumo e o lucro, sem que a interacção com outros
seres humanos sirva outro fim que não esse. Competição, individualismo,
afirmação individual, ambição pessoal e agressividade são os valores que se
promovem”.
O ministro não se pode esconder atrás da falsa autonomia das escolas
para nada dizer sobre esta acusação. Doutrinar crianças à revelia dos pais e
dos programas vigentes, apresentando-lhes a dignidade humana como simples
corolário do mercado, é um “empreendedorismo social” que não pode ser tolerado
na escola pública.
2.
O até agora inimputável José Alberto Duarte (são várias as trapalhadas por que
tem passado incólume), director-geral dos Estabelecimentos Escolares, é visado
e considerado responsável por uma irregularidade grave detectada numa auditoria
do Tribunal de Contas. Trata-se de uma contratação de serviços de fornecimento
de refeições a escolas, no valor de 3,5 milhões de euros, alegadamente operada
sem cobertura legal. Segundo o Correio da Manhã,
que denunciou a situação, o Tribunal de Contas remeteu as conclusões da
auditoria para o Ministério Público, referindo que “a gravidade do
incumprimento desaconselha a relevação da responsabilidade”. Quem sabe se este
servidor público, antes de servir a grei, não terá sido voluntário da Associação Junior Achievement Portugal e
a questão não se possa resolver, a bem do mercado, com a extensão da redentora
pedagogia aos senhores juízes do Tribunal de Contas.
3.
Num debate recente que travei no programa Política Mesmo,
na TVI 24, com o presidente do IAVE, aludi a erros inaceitáveis em matéria de
exames. Respondeu-me que esses erros representavam 0,01% dos 30.000 itens que o
IAVE havia produzido. Não sei quantos itens inúteis o IAVE produziu. Sei que há
mentiras piedosas, mentiras abjectas e … estatística. E sei que os estudantes
surdos do 9º ano, obrigados a sujeitarem-se ao Preliminary English Test for Schools
(PET), prova secreta de inglês (assim a classifico porque o conhecimento
público do respectivo conteúdo está rigorosamente proibido), concebida por uma
instituição estrangeira e financiada por processo que está a ser investigado
pela Polícia Judiciária, foram impedidos de cumprir parte dela por erro,
incompetência e desprezo do IAVE. O independente IAVE, servo da política
numeralista do ministro, preparou um CD para que surdos profundos “ouvissem” o
que, por razões óbvias, não podem ouvir. Esta lamentável circunstância não
beliscará a expressão estatística que enche de orgulho o presidente do IAVE.
Mas mais que um erro ridículo, absolutamente inaceitável, expõe a face desumana
de uma política. Pela mão deste Governo e do seu ministro Nuno Crato, a
Educação perdeu o estatuto de um direito e ganhou o estatuto de uma mercadoria.
Cem estudantes surdos profundos não contam para estes desalmados, manipule o
IAVE as estatísticas como lhe aprouver.
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