Fala-se muito por estes dias na necessidade de proceder a
uma reforma do Estado, invocando quase sempre como motivo o peso excessivo
que os salários da função pública têm na despesa pública, sempre sob a alegação
de que existe excesso de funcionários. Os números reais contrariam esta tese,
pois quer a nível da população activa quer a nível do peso dos salários em
relação ao PIB, Portugal não só não está acima da maioria dos seus parceiros
europeus como, pelo contrário, até fica abaixo da média da UE-27, da zona Euro
e da OCDE nesses indicadores. Acresce que actualmente Portugal tem ao seu
serviço cerca de 575.000 funcionários públicos, o valor mais baixo dos últimos
20 anos...
Que o Estado português é ineficiente, lento, pesado,
excessivamente burocrático, e que muitas vezes atrapalha mais o cidadão que
deveria servir do que ajuda, e que parece muitas vezes existir apenas para se
alimentar a si próprio e continuar a subsistir, é uma realidade que todos,
utentes dos serviços públicos, conhecemos por experiência própria,
independentemente de trabalharmos no público ou no privado. Trabalhando no
público, porém, conseguimos perceber melhor porque é que muitas vezes o
aparelho burocrático funciona tão mal, e a razão menor não é, seguramente, esse
excesso de burocracia. Quase sempre se complica o que é fácil, em vez de
simplificar.
A pretexto do gigantismo do Estado, o governo actualmente em
funções encetou uma política de requalificações e rescisões amigáveis que mais
não visa, em termos objectivos, que ver-se livre de uns quantos milhares de
funcionários para poupar nos salários, mas sem que a essa redução corresponda
uma efectiva reestruturação dos serviços, uma racionalização de recursos e
muito menos um acréscimo da sua eficiência. Na realidade, até à data não se
conhece qualquer estudo que indique quantos e quais funcionários existem a mais
e em que serviços é que os mesmos são dispensáveis. Alguns especialistas
referem mesmo que se corre o risco de, ao fazer cortes cegos no pessoal, pôr em
causa o funcionamento dos próprios serviços ao dispensar funcionários
administrativos que, mesmo pouco qualificados, são essenciais. O reverso da
medalha poderá ser a necessidade de posteriormente ter de contratar os mesmos
serviços externamente e, provavelmente, pagando mais, e dessa forma desmantelando
toda a poupança em gastos que era pretendida.
Uma reforma do Estado séria e pensada, se fosse realmente
essa a intenção, teria de começar muito a montante, por um estudo e debate
aprofundados a nível nacional, envolvendo todas as forças políticas e os
cidadãos. Se queremos ter “menos Estado e melhor Estado”, temos de começar por
equacionar estas questões:
1. Que
tipo de Estado queremos? Quais são as suas atribuições, que serviços deve
prestar aos cidadãos, quais são aqueles que deve chamar a si, quais são os que
deve delegar aos privados? Funções como a segurança, defesa nacional, justiça, educação,
saúde, fornecimento de serviços de abastecimento (águas, gás, electricidade), telecomunicações
e transportes, ordenamento e protecção ambiental e territorial, entre muitos
outros, quais deve o Estado chamar a si e de quais pode ou deve prescindir?
2. Respondida
esta questão, outra resulta directamente dela: quantos e quais ministérios
devem existir para dar cumprimento às funções que o Estado se propõe efectuar?
Deveria ser definida entre todas as forças políticas uma estrutura de
ministérios sólida, coerente e, sobretudo, estável. Não faz qualquer sentido
que se esteja constantemente a aumentar e diminuir ministérios ao sabor dos
caprichos de cada governo ou de cada governante, ora juntando pastas que não
devem estar juntas em mega-ministérios, ora pulverizando atribuições em mini-ministérios
cuja existência dificilmente se justifica. Esta constante arbitrariedade na
reestruturação ministerial, com as próprias e frequentes mudanças de nomes,
logotipos e endereços de correio electrónico, que custos têm em termos de
gastos em dinheiro, tempo e eficiência? O Ministério da Agricultura, por dar um
dos exemplos mais aberrantes, já foi de Agricultura e Pescas, da Agricultura,
Desenvolvimento Rural e Pescas, da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento
do Território, e agora é apenas da Agricultura e do Mar. As próprias
designações são por vezes ridículas. Já existiu um Ministério do Mar, tal como
agora o antigo Instituto de Meteorologia passou a Instituto do Mar e da
Atmosfera. Que sentido fazem estes nomes e o que se ganha com estes constantes
ziguezagues? O mesmo se aplica aos Institutos Públicos e Direcções-Gerais, que
mudam de nome para continuarem a ser conhecidos pelos nomes antigos, como
aconteceu com o INA – Instituto Nacional de Administração, que passou a
chamar-se Direcção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas
– INA! Seria cómico se não fosse trágico...
Deveria haver, aqui sim,
um pacto de regime a sério, que definisse qual a estrutura dos ministérios
existentes e que não poderia ser alterada num prazo de 20 anos,
independentemente das mudanças de governo verificadas, o mesmo acontecendo com
as respectivas estruturas dirigentes. Para se obter ganhos de eficiência, os
organismos devem continuar a funcionar normalmente sem estarem submetidos aos calendários
eleitorais, nem serem objecto duma interminável dança de cadeiras sempre que há
mudança de governo.
3. Definida
a estrutura ministerial, com as respectivas direcções, institutos e todos os
organismos realmente necessários, é chegada a hora de determinar qual a
dimensão e a missão de cada um. E só aqui chegados faria sentido pensar com
rigor e objectividade em quantas pessoas seriam necessárias para levar a cabo a
missão que compete a cada organismo. E aí poderia encontrar-se excesso de
funcionários nuns locais mas também escassez de funcionários noutros. Aí, sim,
faria todo o sentido uma requalificação de funções, de modo a permitir o aproveitamento
de funcionários excedentários num local noutro onde fizessem falta, e não a
falsa requalificação que actualmente se pretende, apenas com o objectivo de
lhes pagar menos e finalmente despedi-los.
Finalmente poderia chegar-se a um modelo em que estava perfeitamente
definido o papel que se pretende do Estado e em que cada posto de trabalho
existiria com um objectivo e uma missão. Isto era o que seria uma reforma séria
e verdadeira, que permitiria redimensionar o Estado dum modo racional e pensado
com lógica. Um governo sério que pretendesse efectivamente reformar o Estado e torná-lo
mais leve e mais eficiente teria obrigatoriamente de ir à raiz do problema e
começar o debate pelo início. Aquilo que se pretende fazer não passa duma operação
de cosmética, de ganhos altamente duvidosos e, possivelmente, com resultados a
prazo mais onerosos para as contas públicas.
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Nota - O FRES adotou, nos termos da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de maio, a grafia oficial prevista pelo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO 1990). Porém, nos termos do n.º 2 do art.º 2.º do supracitado diploma, e até 13 de maio de 2015, os seus membros podem individualmente, neste blogue, optar por uma das grafias que coexistem. Este autor opta pela grafia anterior ao AO 1990.
Nota - O FRES adotou, nos termos da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de maio, a grafia oficial prevista pelo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO 1990). Porém, nos termos do n.º 2 do art.º 2.º do supracitado diploma, e até 13 de maio de 2015, os seus membros podem individualmente, neste blogue, optar por uma das grafias que coexistem. Este autor opta pela grafia anterior ao AO 1990.
1 comentário:
Excelente texto. Parabéns ao seu autor.Claro e nada demagógico. Um perfeito ponto de partida para uma reflexão, debate e discussão, aprofundadas, sobre uma verdadeira reforma do Estado. Quem sabe o próximo grande tema do FRES.
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