Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

terça-feira, dezembro 11, 2012

Bancos alimentares: acaso ou necessidade?


Será que os Bancos Alimentares são, em si mesmos, uma necessidade social ou um acaso circunstancial? Fazem parte da organização permanente da sociedade ou são um fenómeno emergencial?

Excerto do artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem:
«Toda a pessoa tem o direito a um nível de vida suficiente que lhe assegure e à sua família, a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda aos serviços sociais necessários»
Tendo em consideração que estes direitos, enquanto necessidades básicas, nomeadamente o direito à alimentação, não se encontram satisfeitos, aparecem organizações humanitárias, como os Bancos Alimentares, enquanto resposta da sociedade, à constatação dessa realidade. Porém, deverão ser encaradas como provisórias, ou então os Direitos do Homem são uma farsa, sobretudo quando estamos a falar de países desenvolvidos… será que o são?

Será que os países que há dezenas de anos, movidos por interesses políticos e económicos, não conseguem, ou não querem, erradicar a fome, poderão mesmo ser considerados desenvolvidos? Países onde as fortunas pessoais não param de aumentar, onde, por vezes, se deita comida fora para não baixar os preços? Onde o lucro é o meio e o fim de tudo?

Não creio,  e até considero paradoxal a designação de países desenvolvidos. Nestes países, a existência de organizações/instituições de caridade é cada vez mais uma realidade que tenta minorar, entre outras, a fome.  Daí a necessidade do aparecimento de Bancos Alimentares, através dos quais é celebrado um acordo de abastecimento gratuito com cada uma dessas associações humanitárias.  A ajuda alimentar é posteriormente entregue pelas diversas instituições às pessoas carenciadas sob a forma de refeições, servidas quer em lares, creches, refeitórios sociais e entregas domiciliárias, bem como de refeições distribuídas na rua ou em determinados locais de acolhimento. Outra forma de actuação consiste ainda na distribuição de cabazes de alimentos a famílias carenciadas.

Sendo a fome o móbil do aparecimento dos Bancos Alimentares, poder-se-á inferir que estes terão surgido nos países não desenvolvidos, países pobres?

Mais um paradoxo, este conceito nasceu nos Estados Unidos, o país do sonho americano, em 1967, mais concretamente em Phoenix, quando John Van Hengel viu uma viúva, mãe de 10 filhos, a procurar comida no lixo, atrás de mercearias. Sentiu-se impelido a ajudar e, para tal, procurou convencer as lojas a dar os produtos em vez de os deitar fora. Surgiu assim o embrião do primeiro banco de alimentos.

Mais tarde, Francisco Lopez, funda o Banco Alimentar de Edmonton, no Canadá. E inspirado nele, Cécile Bigot, na França, a fim de lidar com o aumento da pobreza em Paris, contactou Dandrel Bernard da Secours Catholique que, com a ajuda de outras instituições de caridade como a Emaús e o Exército da Salvação, fundou o Banco de Alimentos da França de Paris-Ile, em julho de 1984.

Por sua vez, André Hubert decide também criar um Banco de Alimentos em Bruxelas. Este movimento, contagioso, criou a necessidade de se organizar e ter uma voz mais forte que representasse estas organizações quer a nível europeu, quer internacional. Nasceu assim a FEBA - Federação Europeia de Bancos de Alimentares, lançada em 23 de Setembro de 1986.

A FEBA, entre 1988 e 1992, apoiou o desenvolvimento de Bancos Alimentares em Espanha, Itália, Irlanda e Portugal; entre 1994 e 2001 na Polónia, Grécia e Luxemburgo. A partir de 2004, verificou-se a adesão à rede da Alemanha, Hungria, República Checa, Eslováquia, Reino Unido, Lituânia e Sérvia, seguindo-se em 2010 e 2011 a Holanda, Suíça, Estónia, Dinamarca e Montenegro. Actualmente a FEBA continua em contacto com outros países, no sentido de serem  criados novos Bancos Alimentares.

A título de informação, diga-se que existem em Portugal 13 bancos alimentares que ajudam diariamente mais de 219 mil pessoas através de mais de 1.200 instituições (só na área da grande Lisboa são apoiadas 63 mil pessoas). Curiosamente, em 12 maio de 2012, em Vilnius, foi eleito, em Assembleia Geral da FEBA, um novo Conselho de Administração, de que Isabel Jonet se tornou Presidente.

Como muitos dos países aqui referidos são dos ditos desenvolvidos é provável que surjam vozes a justificar estes Bancos Alimentares com a emigração, com pessoas oriundas de países pobres em busca de melhores situações. Parcialmente, pode até ter algum cunho de verdade, mas, poder-se-á afirmar que todas as pessoas que, por exemplo, em Portugal e Espanha, sofrem o flagelo da fome, serão todos emigrantes? E nos restantes países europeus? Temo que não, e ainda que não possua elementos suficientes sobre esta questão, não me parece que o problema não se tenha alargado à população nacional. Basta atentarmos nas notícias de empresas a fecharem em toda a Europa, às reduções drásticas de pessoal em bancos, no comércio, na indústria ou nos serviços, entre outras. Nem creio que a Segurança Social desses países estivesse preparada para tal colapso.

Como muitos o têm já referido, estamos perante uma Sociedade, baseada no egoísmo, no enriquecimento a todo o custo, onde o que conta é o indivíduo que se julga o centro do universo.

Parece-me que estamos num mundo evoluído, com alimentos bastantes para todos, mas que são sonegados a muitos, em prol desse egoísmo, dessa ganância irracional, que não se importa de ver os seus concidadãos à míngua. Claro que existem situações extremas, catástrofes, fenómenos inesperados da natureza, entre outros, que justificam a existência de organizações de apoio humanitário, mas estas não devem ser um fim mas apenas um meio provisório e temporário para situações pontuais.

Reportando-me novamente ao enunciado artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, questiono-me se, de facto, a existência de Bancos Alimentares são um acaso ou uma necessidade. Penso que deveriam ser um acaso, mas infelizmente e face à realidade actual da nossa sociedade corremos o sério risco de se tornarem uma necessidade.

Com efeito, baseado naqueles princípios, convencionados e aceites pelas diversas nações, competiria aos seus orientadores, leia-se governantes, assegurarem a sua prossecução. Afinal são estes princípios que prometem defender e prosseguir quando se apresentam aos eleitores. Neste sentido têm de honrar os seus compromissos e, se o não fizerem, não têm legitimidade em continuar a gerir os destinos do país. Seja por incompetência, seja por influência externa, desde que admitam ou, na prática, demonstrem não serem capazes, de que adianta protelarem o inevitável? Para quê manter o insustentável? Diria que estão a mais, estão fora de prazo.


Enfim, numa sociedade onde poucos têm muito e muitos têm tão pouco, custa a entender que estes, que nada têm a perder, continuem apáticos ou adormecidos, ou quiçá esperançosos ou manipulados pela possível existência de vida para além da morte e lá, no além, sejam recompensados por terem oferecido a outra face, em vez de terem reagido.


1 comentário:

Mário de Jesus disse...

Excelente tema e artigo. Tema este que aliás tem estado na linha das preocupações do FRES pelas acções de participação que tem desenvolvido no Armazém Central de recolha do Banco Alimentar.

De facto seria excelente que o país não necessitasse destas iniciativas, pelo menos com a profundidade e dimensão a que temos assistido.

Um pais mais justo, solidário e equilibrado reduziria a acção do Banco Alimentar. Assim, terá o Banco Alimentar que procurar repor essa solidariedade.