Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

domingo, agosto 22, 2010

FRES - " SE NÃO INTERVIERMOS E DESISTIRMOS, FALHÁMOS"

A vantagem de estar no FRES, e ter um lema, é o permanente apelo feito à nossa atenção para a realidade que nos cerca. Assim, e ao "passar os olhos" pela imprensa escrita, deparei-me com uma situação assaz interessante. De um artigo de Luís Osório, na revista "Tabu" do jornal "SOL" de 23 de Julho de 2010, relativo a uma conversa tida com o general Ramalho Eanes, a propósito da sua candidatura à Presidência da República em 1976, retive este episódio, passado durante a sua campanha na Figueira da Foz, que nos remete para a estruturação da personalidade dos sujeitos, revelada pelo seu comportamento e que passo a citar:
" O ambiente está pesado e há tentativas de agressão de parte a parte. As mulheres ameaçam o grupo de agitadores e não tiram os olhos de um rapaz, com pouco mais de vinte anos, que grita e insulta Eanes com especial e refinada veemência. Chegada a hora de almoço e à porta do restaurante a confusão não parece abrandar. O candidato ... ordena aos seguranças que convidem o rapaz a vir até si. Contrafeitos, lá o foram buscar e quando o rapaz, perante o homem que insultara antes, começa a esmiuçar as palavras de ordem, Eanes sem pestanejar dá-lhe a lista do restaurante e pergunta-lhe o que vai almoçar. Poucos minutos depois já o jovem revolucionário tratava Ramalho Eanes por senhor Presidente e dizia compreender bem o que realmente estava em equação. Percebeu tão bem que aceitou a boleia de um dos carros de apoio da comitiva ..."
À medida que ia lendo ia pensando ... onde é que eu já vi isto?
Então, folheando " As Farpas" de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, da "Princípia, Publicações Universitárias e Científicas" sob a coordenação de Maria Filomena Mónica e, da página 30, retirei este pequeno excerto relativo ao ano de 1871:
" A pobreza geral produz um aviltamento na dignidade. Todos vivem na dependência: nunca temos por isso a atitude da nossa consciência, temos a atitude do nosso interesse. Serve-se, não quem se respeita, mas quem se vê no poder ..."
E mais adiante, da página 31:
" Lentamente o homem perde também a individualidade do pensamento. Não pensa por si: sobrevem-lhe a preguiça do cérebro. Não tendo de formar o carácter, porque lhe é inútil e teria a todo o momento de o vergar;- não tendo de formar uma opinião porque lhe seria incómoda e teria a todo o momento de a calar,- costuma-se a viver sem carácter e sem opinião. Deixa de frequentar as ideias, perde o amor da educação. Cai na ignorância, e na vileza. Não se respeitando a si, não respeita os outros: mente, atraiçoa, e habitua-se a medrar na intriga."
E em 2010, o que se passa? será que os comportamentos evoluem ou se adaptam? Afinal, e tendo em atenção a diferença temporal, trata-se de uma evolução ou involução?
Com tanta informação disponível, com a preocupação da igualdade de direitos e oportunidades, ou seja com a democracia, ter-se-á alterado este tipo de comportamentos? Nem me parece necessário mencionar casos, pois são do conhecimento geral, tal a sua proliferação. Porém, o que mais impressiona é o facto de determinado tipo de comportamentos se repetirem de geração em geração, independentemente do seu grau de desenvolvimento. Porque razão permitimos a continuidade deste estado de coisas? Porque razão as pessoas, e sobretudo as que têm responsabilidade na "justiça", se calam e manipulam a verdade perante comportamentos menos lícitos de uns? Será porque se vêm projectados e naquelas circunstâncias fariam o mesmo? Ou será por medo, necessidade de segurança? Ou de facto trata-se de uma relação de dependência, de subalternidade, de que o Homem não se consegue libertar? Se atentarmos a que o Homem, logo após o seu nascimento, fica dependente, dependente de quem o alimente, de quem o proteja, de quem lhe transmita o conhecimento, de quem lhe dite as regras de convivência social, então não há ninguém verdadeiramente independente. Assim, e tendo em conta a situação de crise actual e da falta de soluções com que nos deparámos, colocaria, para reflexão, a seguinte questão: será este tipo de relação responsável pela falta de criatividade dada a situação de dependência, sendo que, nos dias de hoje, a económica se afigura como a mais determinante e, talvez daí a razão de apenas alguns conseguirem ser bem sucedidos? Qual a sua correlação com o empreendedorismo? Será este a manifestação de alguma indepedência conquistada ou facilitada ou uma tentativa de conquistar essa mesma independência? Ou será que aqui assentaria bem o lema do FRES : " SE NÃO INTERVIERMOS E DESISTIRMOS, FALHÁMOS"?

1 comentário:

Mário de Jesus disse...

Gosto sempre de relembrar o Filósofo português José Gil no seu livro - Portugal Hoje, o medo de existir.

Diz ele que Portugal é o país da não inscrição. Os portugueses em nada se inscrevem porque com nada se comprometem.

"Em Portugal nada acontece, não há drama, tudo é intriga e trama. Nada acontece, quer dizer, nada se inscreve".

Diz ainda José Gil que " Os portugueses não sabem falar uns com os outros, nem dialogar, nem debater, nem conversar. Duas razões concorrem para que tal aconteça: o movimento saltitante com que passam de um assunto a outro e a incapacidade de ouvir".

Também como disse Óscar Wilde - "Viver é a coisa mais rara do Mundo. A maioria das pessoas apenas existe"

É muitas vezes neste quadro, nesta letargia que nos tolhe, que muitos de nós vivem.

Por isso fico sempre deliciado quando leio uma pérola como aquela que o Zé Alves escreve e que a Isabel sublinha.

Acredito que existe por aí muita preguiça de cérebro e muita gente que se demitiu da responsabilidade de frequentar as ideias.

Por aqui, dentro do possível, muito já fizemos para intervir e mudar (mudar pelo menos o pensamento e as ideias sobre certas coisas - aquelas coisas que debatemos e que nos têm preenchido o pensamento e as ideias).

Muito mais teria sido feito se mais de entre nós se tivessem, inscrito, vivido e intervido.

Abraços