Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quinta-feira, julho 27, 2006

Por um país capaz e audaz

Portugal é um país negativo. Negativo no crescimento. Negativo no comércio. Negativo na atitude colectiva. Negativo na governação. Negativo nas deseconomias externas. De tão negativo, que tem transformado forças em fraquezas, amarrado a desculpas, ideologias e direitos adquiridos.
Este país é hoje a negação da História, do seu contributo para a civilização moderna, da sua incomparável História multicultural e multiracial. É a negação da grande Nação que Afonso Henriques fundou, da afirmação do Santo Condestável, do pioneirismo do Infante D. Henrique, da visão estratégica de D. João II. O país negativo de hoje é o mesmo que Eça de Queiroz descrevia nas “Farpas” ou que Camilo Castelo Branco resumiu com “A queda de um anjo”. Um país cuja decadência económica e política se acentua a partir de 1820 e que nunca soube conjugar a suposta “democratização” e o suposto “constitucionalismo” com a sua tradução em crescimento e desenvolvimento económico.
Um país que não se constrói pelas elites, pois elas não se afirmam enquanto tais. Um país em que o povo inculto não assume uma atitude proactiva. Em que as pessoas preferem ser enganadas pela febres da Expo, do Europeu ou do Mundial de Futebol do que pensar diariamente que só podem ter futuro se se empenharem quotidianamente no presente.
Ora, para termos um país positivo, é preciso mudar tudo, ou pelo menos quase. A capacidade de fazer rupturas marca a evolução dos grandes povos. Mesmo que duras, são necessárias. E marcam a mudança colectiva. Mostram às pessoas que não há fora do prazo, que não há adiamentos, que é agora, pois o futuro - a Ásia - não espera por ninguém.
Exemplos simbólicos - ou talvez não? Fazer uma nova Constituição, elegendo para isso um parlamento extraordinário; eliminar todos os direitos e privilégios que discriminam os portugueses, consoante trabalhem para um dos muitos regimes da administração pública ou para uma empresa; mudar um hino anacrónico e uma bandeira folclórica; responsabilizar tudo e todos; dar espaço aos criadores, para que livremente formem novas elites; promover a excelência dispersa pelo país, em vez de importar megalomanias e especialistas, que grandes danos têm causado às finanças.
Este esforço também depende de todos nós. No recente discurso do dia de Portugal, o Presidente da República defendeu e bem, a co-responsabilização de todos os cidadãos com a construção do país. Com a educação que os pais promovem, com a saúde. Quase glosando Kennedy e a histórica frase “não perguntem o que o vosso país pode fazer por vocês, mas o que podem vocês fazer pelo vosso país”. E em boa hora, Cavaco Silva alerta desafia os portugueses, porque o país negativo também se alimenta de quem só se queixa, de quem não reclama quando deve, de quem fica indiferente no trabalho e na cidadania.
Mas para mobilizar o povo para um país positivo, é necessário ter estratégia, governação e elites. A primeira não pode passar por definir como estratégicos os sectores do betão e auto-estradas, nem pela Ota ou TGV. A governação faz-se com decisões diárias que, promovam a concorrência, a capacidade empresarial e a liberdade económica. E as elites aparecem na proporção inversa à da mão instrumentalizadora do Estado. Porque um Estado medíocre com dirigentes risíveis não quer elites: prefere múmias, vassalos, seguidores e bajuladores. Dirigentes do Estado incompetentes e danosos querem é ter interlocutores frágeis e na sua dependência, que digam “sim” e “ámen”, que esperem pelo cheque, e que mais tarde ou mais cedo não se esqueçam de quem subsidiou. Em resumo, as elites autónomas, vivas a criativas, só despertam quando confiam no país e não como desde há muito por cá sucede, têm medo de ser notadas, copiadas e abatidas pelos tais funcionários medíocres que servem superiores interesses políticos e económicos.
Este Estado negativo leva a que cérebros, criadores, empresários e inovadores, saiam de Portugal à procura de mercado ou simplesmente de espaço. Porque não acedem aos privilégios de derrogações ministeriais reservadas à elite de serviço, não fazem parte de grupos que vivem à custa dos favores políticos, não se resumem à mediocridade de empregar os “servidores públicos”, antes ou depois, consoante seja conveniente.
É este Estado negativo que tem que ser erradicado. Alguém pensa que seria possível Aljubarrota, a conquista de Ceuta, a descoberta do caminho marítimo para a Índia, o achamento e colonização desse colosso que é o Brasil, caso não tivéssemos uma estratégia, uma governação e elites, coesas e competentes, não unidas pela baixa política e pela mediocridade dos golpes baixos e do tráfico orçamental, mas pelo compromisso, pelo risco, pela aventura, pela parceria público-privada?
Na magnífica odisseia dos Descobrimentos, convém lembrar que Portugal inventou a economia-mundo ao ligar sem intermediários Europa, Ásia, África e América. Não foi o Estado que criou essa economia-mundo! É que a descoberta era feita por concessão pelo Estado do direito de exploração a privados das terras que descobrissem. Concessão por décadas e onde os privados punham o dinheiro e o risco, enquanto o Estado ganhava expansão, impostos. Era assim que na altura – não como hoje – se faziam as parcerias público-privadas: dando o Estado espaço e transferindo risco para os privados. Num País de edifícios sem utilização, de SCUTs sem risco para o promotor, da inimputabilidade e de irresponsabilidade dos “boys”, pode isto existir?
Para termos um país positivo, um dirigente público que minta, que seja incompetente, que não sirva o país tem que ser exemplarmente demitido. Mesmo que seja amigo de alguém, temos que distinguir amizades de competências. E não apenas exigir atitude a todos os cidadãos, mas dar o exemplo. O que significa não permitir que, em nome de instituições públicas, se cometam absurdos e abusos por quem as comanda. Só porque se é amigo de alguém que os tutela. Só eliminando-os do Estado, deixaremos espaço para que outros, capazes e audazes, permitam aos portugueses construírem um país positivo.



Joaquim Rocha da Cunha

2 comentários:

João Mateus disse...

Um excelente resumo da realidade, do passado, presente e futuro. Este em aberto, como sempre. Para já, interessa-nos o tema da educação, onde tudo começa, porque tudo começa nas pessoas. E as pessoas começam na tenra idade, onde tudo lhes é incutido, não só conhecimentos, mas principalmente atitudes. Triste será o futuro, enquanto o tema educação se mostrar tão mal tratado como infelizmente mais uma vez se viu. Vamos investir no aprofundamento deste tema, dos porquês e principalmente dos comos, para que daqui saia mais que um (mais um) mero debate sem consequência. A proposta é que nos tornemos conhecedores, convidemos especialistas e juntos cheguemos a conclusões. Depois, teremos que assegurar que as conclusões sejam divulgadas e implementadas, senão as nossas, algumas. Que algo seja feito, com o respeito que o futuro mereçe (mais que o passado).

Henrique Abreu disse...

Excelente Artigo Joaquim,

Concordo inteiramente de que temos um legado histórico, cientifico e cultural a preservar, existem casos de sucesso de empresas em Portugal que TÊM de ser publicitados, pois o país não PODE viver só de futebol. Temos que vender a MARCA Portugal de uma forma profissional e precisamos de tornar a embalagem mais apelativa. ( a bandeira e o hino são exemplos disso.)
Mas, precisamos, acima de tudo de uma Visão de futuro para Portugal , o que SOMOS e o que queremos vir a ser , e COMO e QUANDO iremos atingir esse objectivo.
È sobretudo uma questão de atitude, para uns o copo ainda está meio cheio para outros já está meio vazio.