Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

terça-feira, julho 30, 2013

Planeamento vs. Liderança - Uma gestão situacional da realidade portuguesa

Falando de governantes ou de alguém que tem a tarefa de coordenar e gerir um projeto ou uma pasta ministerial, poder-se-á dizer que o mais importante é a sua capacidade de planeamento e o cumprimento escrupuloso do mesmo, ou será que na liderança de um projeto a capacidade de gerir emoções e envolver pessoas é também muito importante?

Todos nós traçamos objetivos pessoais e profissionais e, nesse sentido, temos tendência a delinear um plano para definir as nossas etapas e metas para os atingir.

Porém a vida vai-nos alterando o plano obrigando-nos a rever etapas, metas e por vezes os próprios objetivos, o que nos leva a redefinir o plano, uma vez que a vida é mesmo assim, dinâmica e por conseguinte, nada é estático. O que hoje parece garantido, amanhã está ultrapassado, a mudança acontece de forma vertiginosa e imparável.

Porém, para alguns basta ter um plano bem desenhado, bem construído e fundamentado em constructos teóricos, como se, por si só, ter um plano resolvesse tudo, nem que para tal se insista, alterando os dados ou manipulando os factos de modo a provar, geralmente a si próprios, numa atitude narcisista, que afinal o plano até está certo.

Para outros, é aceitável ter um plano ou um guião, mas, em determinadas circunstâncias, é preferível colocá-lo numa gaveta e, de quando em vez, verificá-lo para aferir o que na prática conseguimos concretizar e assim termos a consciência daquilo que é exequível e de que a realidade está em permanente mudança.

Efetivamente, para estes últimos, é mais eficaz efetuarmos uma gestão situacional em consonância com o quotidiano de acordo com a dinâmica da vida, uma vez que esta não é estática e pelo facto de estarmos confinados a um plano corremos o risco de sermos ultrapassados pela realidade.

Por isso, e em defesa dos nossos interesses, devemos escolher ser dirigidos por aqueles que são capazes de efetuar uma gestão situacional dos acontecimentos, tendo em mente um plano, mas adaptando-o sistematicamente às contingências do quotidiano.

Não devemos deixar-nos manipular pela eloquência, pelo discurso fácil de quem elabora um plano tecnicamente bem construído e que à mínima adversidade e alteração das condições previstas, apresente bloqueios e falta de soluções alternativas às mudanças requeridas. Estes são líderes com rigidez intelectual e dificuldade de percecionar a realidade que os cerca, com um campo de consciência estreito e, nesse sentido, limitados à sua (in)capacidade de visão das coisas.

Poderia apontar vários exemplos de pessoas com estas características, no entanto e sem menosprezar as qualidades pessoais de cada um, sem querer efetuar juízos de valor e apenas atentando aos acontecimentos factuais e recentes da sua governação, escolheria dois exemplos  de personalidades  que, a meu ver, poderiam ilustrar esta tipologia a que me refiro.

Um deles, o ex-Ministro das Finanças Vítor Gaspar, sem dúvida um brilhante académico, um economista com créditos firmados, excelente técnico, dotado de rigor no desenvolvimento dos seus planos mas, quando confrontado com a realidade, o que fez? Reconheço-lhe o mérito de confessar a sua incapacidade para resolver as adversidades que escaparam ao plano, porém não conseguiu gerir a dinâmica de mudança constante no comportamento das pessoas e dos mercados e acabou engolido pelo seu próprio plano.

Noutro patamar, colocaria o ainda Ministro da Saúde, Paulo Macedo, sem dúvida com as suas capacidades e qualificações académicas e certamente condicionado por um plano, mas que, confrontado com situações adversas, nomeadamente a oposição dos seus concidadãos e parceiros sociais, soube gerir as emoções, a mudança de atitude exigida e secundarizar o plano em prol da realidade, adaptando-o consoante as circunstâncias o foram impondo.

Se tentarmos ver nestes dois exemplos, o comportamento de alguém capaz de cativar pessoas, de gerir consensos, de liderar projetos envolvendo os intervenientes nos mesmos, de associar o rigor racional aos afetos, Paulo Macedo, e apenas focalizando-me nos recentes atos de governação, seria o mais próximo da realidade e dos cidadãos, o que parece aliás comprovado pelos resultados alcançados. Seguramente teve de efetuar adaptações, alterações e redefinições ao seu plano original, mas conseguiu, pelo menos, gerir a mudança que se impunha.

Ainda que circunstanciais, estes casos concretos são o exemplo do tipo de diferenças que ajudam a definir ou encontrar os líderes e a distingui-los dos que gostariam ou pensam vir a sê-lo.

Em democracia nós precisamos de governantes que sejam capazes de gerir os seus planos conciliando-os com as pessoas e as suas emoções, que sejam capazes de observar o que se passa à sua volta e admitir os seus próprios erros, corrigindo-os e efetuando uma gestão situacional do quotidiano, reagindo e resolvendo as adversidades de forma adequada a cada momento, tendo em conta os interesses daqueles por quem foram mandatados.

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terça-feira, julho 16, 2013

Segurança Social encharcada em ativo de risco


No mesmo dia em que pediu a demissão, portanto, num dos seus últimos atos enquanto ministro das Finanças, Vítor Gaspar fez publicar em Diário da República a Portaria n.º 216-A/2013, de 2 de julho, um diploma conjunto com o Ministro da Solidariedade e da Segurança Social. 

Esta portaria obriga o Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, IP, a proceder à substituição dos ativos em dívida pública de países da OCDE do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) por dívida pública portuguesa até ao limite de 90% da carteira, sendo os resultados dessa política de investimento reavaliados até ao final de 2015. Atualmente, 55% da carteira do FEFSS está investida em dívida pública portuguesa e 25% em dívida pública de outros Estados da OCDE. Existe ainda uma parcela de 17% investida em ações de empresas estrangeiras.

Neste momento o FEFSS, nos termos do art.º 91.º da Lei de Bases da Segurança Social, deveria assegurar as reservas que permitissem a cobertura das despesas previsíveis com pensões por um período mínimo de dois anos, mas isso já não acontece. O FEFSS cobre apenas 6 a 8 meses.

Segundo se diz, no estertor do Governo Sócrates, o antigo PM tentou utilizar as verbas do FEFSS, tendo sido impedido por Teixeira dos Santos. Terá sido essa – diz-se –, após a reunião com os banqueiros, a gota de água que o forçou a pedir ajuda financeira, porque Teixeira dos Santos se terá recusado a fazer isso.

Isto fez-se agora de mansinho, desapercebidamente, habilmente entremeado numa crise política de grande magnitude. É infelizmente recorrente em alguns governantes que os seus últimos atos antes de abandonarem funções sejam a assinatura de diplomas polémicos, práticas a que, pelos vistos, nem certos tecnocratas com aura de rigor e impoluta virgindade política parecem resistir…

Ora, uma carteira de ativos é um portefólio, um conjunto diversificado de investimentos em que eventuais ganhos de uns contrabalançam eventuais perdas de outros. É velha tese de não colocar todos os ovos no mesmo cesto...

A pergunta que coloco é: será que Vítor Gaspar tem 90% das suas poupanças pessoais investidas em dívida pública portuguesa? Ou tem 90% das suas poupanças pessoais investidas num ativo de alto risco? E, não o tendo, como é previsível, porque é que o faz com as poupanças do FEFSS, que servem para acorrer a uma situação de emergência com os grupos mais vulneráveis da população? Resta dizer ainda que em 2012, por via da transferência dos fundos de pensões da banca, e dos maiores encargos com outras prestações sociais, a Segurança Social foi, pela primeira vez desde há muitos anos, deficitária, situação que talvez não se inverta tão cedo, contexto em que aquele fundo ganha ainda maior importância...

P.S. – Registarei se a avaliação desta medida em 2015 não redundará no que já aqui falei por três vezes (1.ª, 2.ª, 3.ª)… 

Fotos (1.ª e 2.ª)

segunda-feira, julho 15, 2013

Provar do próprio veneno ou exigir um antídoto?

1. O Presidente da República denunciou boas intenções e percebe-se claramente o que pensa: não aceitou a recomposição do governo apresentada pelo Primeiro Ministro e pela coligação que lidera, nem aparenta confiar neste elenco governamental. Acredita que só com um pacto de regime o problema da ingovernabilidade e da instabilidade política se resolve e só assim se reforçará a credibilidade externa do país, claramente afetada, no seu pensamento, pela ação do governo em funções.


2. O problema é que o PR coloca todos os partidos do arco da governação entre a espada e a parede, deixando PSD, CDS e PS em certa desorientação. Os primeiros estão ainda atordoados e o PS refém da sua própria estratégia de oposição demonstrada nos tempos mais recentes porque não se quer associar a este governo e à sua imagem, correndo o risco de, daqui a 1 ano, estar a ser confundido e conectado com a atual coligação com o risco de vir a ser penalizado pelos eleitores.


3. Dito isto, o PR foi bem intencionado, pois não restam dúvidas que um pacto de regime é indispensável e o país reclama há muito por ele (o problema é que com estes protagonistas políticos a coisa não vai lá ou irá lá de forma muito difícil) acabou por gerar uma perigosa confusão e desnorte obrigando, e bem, a que os responsáveis dos principais partidos se atirem ao diálogo e à concertação partidária.
  
4. Há quem afirme que os mercados e a troika, conhecendo bem (ou não) a situação política, irão perder alguma da confiança restabelecida. Não sabemos. Nos dias que se seguiram à demissão do líder do CDS e Ministro dos Negócios Estrangeiros, os mercados reagiram negativamente. Hoje ainda, o país paga a fatura dado que as taxas de juros da dívida a 10 anos atingiram, de novo, os 8%. O futuro o dirá. Mas o futuro também nos diz que é indispensável um pacto de regime ou um governo que chame à responsabilidade os partidos com essa maior responsabilidade no sistema politico nacional.

quinta-feira, julho 11, 2013

Provar do próprio remédio


Se Cavaco Silva fosse primeiro-ministro e estivesse na oposição, aceitaria a solução proposta pelo Cavaco Silva presidente? É bom que se lembre do que fez quando era primeiro-ministro. Depois da maioria absoluta de 1987, nas eleições de 1991 o então líder do PSD avisou que, se não tivesse novamente maioria absoluta, «assumirá o que é normal: a oposição» - palavras textuais.

Desde que é PR, alguns dos seus discursos de Estado têm ficado longe da posição supra-partidária e de primeira figura da nação que deveria caracterizar o exercício do cargo. Para quem se lembra, o seu discurso de vitória aquando da reeleição foi mais um acto de desforra sobre os outros candidatos do que a proclamação daquele que deveria ser o "presidente de todos os portugueses"...

Acho muito bem que o PS não alinhe numa solução de fantochada. Ele que forme um governo de iniciativa presidencial com a maioria existente ou convoque eleições. Pois é, democracia também é isso, ninguém é obrigado a fazer parte duma solução com que não concorda.

Cavaco quis entalar o PS, mas foi o PS que o entalou com a resposta que deu... Quero ver como é que ele vai descalçar esta bota. Que prove do seu próprio remédio a ver se gosta.


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Nota - O FRES adotou, nos termos da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de maio, a grafia oficial prevista pelo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO 1990). Porém, nos termos do n.º 2 do art.º 2.º do supracitado diploma, e até 13 de maio de 2015, os seus membros podem individualmente, neste blogue, optar por uma das grafias que coexistem. Este autor opta pela grafia anterior ao AO 1990.